A polêmica das patentes
Ogoverno do presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou na semana passada o apoio à quebra temporária de patentes sobre vacinas contra a covid. As opiniões de economistas, juristas e outros especialistas foram divergentes. A indústria farmacêutica não funciona de forma competitiva, mas monopolística. Por isso, é preciso que governos e entidades civis monitorem o comportamento dessas empresas para que o seu poder de monopólio não ultrapasse limites aceitáveis, especialmente durante uma pandemia. Se o fundamento do problema da restrição de oferta de vacinas é por causa de poder de mercado ou de superutilização da capacidade instalada das empresas ofertantes, a quebra de patentes seria condição necessária para o aumento da oferta de vacinas, mas não suficiente. Seria preciso garantir que existissem fábricas que tivessem tecnologia para fabricar as vacinas quando recebessem a tecnologia de produção.
Mas e se o problema da oferta global de vacinas hoje não é nem poder de mercado e nem superutilização de capacidade instalada? Bem, nesse caso, o benefício líquido da quebra das patentes é menos claro. Especialistas dizem que existe um problema de oferta de insumos para as vacinas. Se essa for a verdadeira raiz do problema, talvez valesse mais o esforço em pensar por que estamos com essas restrições. As mesmas perguntas feitas para a vacina valem: o problema é poder de mercado, capacidade instalada ou impossibilidade de geração de insumos? Quebra de patentes sobre insumos faria sentido?
Muito vem se falando também sobre custos de quebra das patentes. A maior preocupação dos economistas especialistas da área de organização industrial, que se dedica a assuntos como esse, é a respeito da insegurança jurídica que isso poderia trazer ao mercado. Hoje, é a quebra de uma patente por causa de uma pandemia. E amanhã? Poderia algum governo abusar? Acho que esse é um problema que poderia ser mais facilmente sanado.
O Brasil tem experiência no assunto. O artigo 71 da Lei 9.279 de 1996 autorizou o governo federal a quebrar patentes. “Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.” Destaca-se aqui o “sem prejuízo dos direitos do respectivo titular”. Isso porque o problema de inconsistência intertemporal e de desincentivo à pesquisa se torna menor quando as donas das patentes recebem por elas mesmo após a quebra, como foi o caso no Brasil. A insegurança jurídica é menor quando as empresas sabem que, mesmo que tenham de abrir a tecnologia, elas receberiam por isso. Vale destacar que muitas empresas farmacêuticas desenvolvem tecnologia em parcerias com universidades que, muitas vezes, contam com recursos estatais de fomento à pesquisa.
Sou uma entusiasta de quebra de patentes quando se remunera o capital intelectual investido naquela produção, sem criar insegurança jurídica e desde que a justificativa para isso seja o contexto da pandemia. Mas, para que o entusiasmo se materialize em apoio à quebra, é preciso pensar se a patente em si é o fundamental do problema a ser atacado. No caso das vacinas contra a covid-19, as patentes não parecem ser o maior gargalo à restrição de oferta. Caso o problema seja mesmo de insumos, não seria mais eficiente um esforço global, liderado pela Organização Mundial da Saúde e pelos Estados Unidos, líder em criação e aplicação de vacinas no mundo, em coordenar oferta de insumos e produção? Para que isso acontecesse, o viés nacionalista da maioria dos países hoje teria de ser superado. Seria uma decisão diplomática e estratégica que exigiria mais esforço de líderes globais do que a quebra das patentes.
Nós, cidadãos, devemos sempre incentivar os políticos a buscar soluções verdadeiras para os problemas. Para direcionar foco e recursos naquilo que realmente pode nos ajudar a superar dificuldades. Se não, estaremos sempre deixando as portas abertas ao populismo, que apresenta soluções fáceis, mas não verdadeiras. Logo, só devemos defender quebra de patentes caso seja uma solução para o problema atual.
Só devemos defender quebra de patentes se isso for solução para o problema atual