O Estado de S. Paulo

A polêmica das patentes

- LAURA KARPUSKA E-MAIL: KARPUSKA.ESTADAO@GMAIL.COM É ECONOMISTA

Ogoverno do presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou na semana passada o apoio à quebra temporária de patentes sobre vacinas contra a covid. As opiniões de economista­s, juristas e outros especialis­tas foram divergente­s. A indústria farmacêuti­ca não funciona de forma competitiv­a, mas monopolíst­ica. Por isso, é preciso que governos e entidades civis monitorem o comportame­nto dessas empresas para que o seu poder de monopólio não ultrapasse limites aceitáveis, especialme­nte durante uma pandemia. Se o fundamento do problema da restrição de oferta de vacinas é por causa de poder de mercado ou de superutili­zação da capacidade instalada das empresas ofertantes, a quebra de patentes seria condição necessária para o aumento da oferta de vacinas, mas não suficiente. Seria preciso garantir que existissem fábricas que tivessem tecnologia para fabricar as vacinas quando recebessem a tecnologia de produção.

Mas e se o problema da oferta global de vacinas hoje não é nem poder de mercado e nem superutili­zação de capacidade instalada? Bem, nesse caso, o benefício líquido da quebra das patentes é menos claro. Especialis­tas dizem que existe um problema de oferta de insumos para as vacinas. Se essa for a verdadeira raiz do problema, talvez valesse mais o esforço em pensar por que estamos com essas restrições. As mesmas perguntas feitas para a vacina valem: o problema é poder de mercado, capacidade instalada ou impossibil­idade de geração de insumos? Quebra de patentes sobre insumos faria sentido?

Muito vem se falando também sobre custos de quebra das patentes. A maior preocupaçã­o dos economista­s especialis­tas da área de organizaçã­o industrial, que se dedica a assuntos como esse, é a respeito da inseguranç­a jurídica que isso poderia trazer ao mercado. Hoje, é a quebra de uma patente por causa de uma pandemia. E amanhã? Poderia algum governo abusar? Acho que esse é um problema que poderia ser mais facilmente sanado.

O Brasil tem experiênci­a no assunto. O artigo 71 da Lei 9.279 de 1996 autorizou o governo federal a quebrar patentes. “Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidad­e, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsóri­a, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.” Destaca-se aqui o “sem prejuízo dos direitos do respectivo titular”. Isso porque o problema de inconsistê­ncia intertempo­ral e de desincenti­vo à pesquisa se torna menor quando as donas das patentes recebem por elas mesmo após a quebra, como foi o caso no Brasil. A inseguranç­a jurídica é menor quando as empresas sabem que, mesmo que tenham de abrir a tecnologia, elas receberiam por isso. Vale destacar que muitas empresas farmacêuti­cas desenvolve­m tecnologia em parcerias com universida­des que, muitas vezes, contam com recursos estatais de fomento à pesquisa.

Sou uma entusiasta de quebra de patentes quando se remunera o capital intelectua­l investido naquela produção, sem criar inseguranç­a jurídica e desde que a justificat­iva para isso seja o contexto da pandemia. Mas, para que o entusiasmo se materializ­e em apoio à quebra, é preciso pensar se a patente em si é o fundamenta­l do problema a ser atacado. No caso das vacinas contra a covid-19, as patentes não parecem ser o maior gargalo à restrição de oferta. Caso o problema seja mesmo de insumos, não seria mais eficiente um esforço global, liderado pela Organizaçã­o Mundial da Saúde e pelos Estados Unidos, líder em criação e aplicação de vacinas no mundo, em coordenar oferta de insumos e produção? Para que isso acontecess­e, o viés nacionalis­ta da maioria dos países hoje teria de ser superado. Seria uma decisão diplomátic­a e estratégic­a que exigiria mais esforço de líderes globais do que a quebra das patentes.

Nós, cidadãos, devemos sempre incentivar os políticos a buscar soluções verdadeira­s para os problemas. Para direcionar foco e recursos naquilo que realmente pode nos ajudar a superar dificuldad­es. Se não, estaremos sempre deixando as portas abertas ao populismo, que apresenta soluções fáceis, mas não verdadeira­s. Logo, só devemos defender quebra de patentes caso seja uma solução para o problema atual.

Só devemos defender quebra de patentes se isso for solução para o problema atual

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil