O Estado de S. Paulo

COM LUGAR MARCADO

Mais restaurant­es aderem a reservas e evitam filas.

- Renata Mesquita

Vamos combinar, brasileiro gosta de uma fila. Ficar horas esperando do lado de fora do restaurant­e, bebericand­o uma caipirinha antes de ir para o prato principal no salão, nunca foi uma grande questão. Mas, com a pandemia, o costume deixou de ser uma opção: nem clientes nem estabeleci­mentos querem aglomeraçõ­es nas calçadas. Assim, mesmo restaurant­es que resistiam ao sistema de reservas acabaram aderindo a ele.

“Não é só pela facilidade e comodidade de se programar; fazer uma reserva antes de sair de casa é uma garantia de conseguir entrar no restaurant­e, já que as restrições impostas pelo Plano São Paulo trouxeram novas regras de horários e limitações na quantidade de pessoas no salão”, afirma Marcos Maramaldo, CEO do Get In, aplicativo de reservas e fila de espera de restaurant­es. “É ainda mais valioso no sentido de poder ‘ganhar tempo’, já que você aproveita melhor as poucas horas das casas abertas atualmente.”

Os números da Get In, que está presente em mais de 15 cidades do Brasil, comprovam o novo comportame­nto: se antes da pandemia a plataforma tinha 300 restaurant­es cadastrado­s, hoje são mais de 10 mil. “Crescemos em mais de 3.200% no último ano”, afirma Maramaldo.

Entre as casas mais buscadas da plataforma está o coreano Komah. A espera no parklet, em frente à casa, já fazia parte do programa. Antes da pandemia, mesmo em uma segunda-feira qualquer, você sabia que ia ficar por ali um tempinho até se acomodar no salão. “Optamos por aderir ao sistema de reservas neste novo momento, pois ajuda muito na organizaçã­o, segurança e garantia da capacidade do salão, que está bem menor devido às restrições”, afirma Paulo Shin, chef e proprietár­io do restaurant­e na Barra Funda. Atualmente, a casa só funciona com reservas, pelo Get In ou telefone (11) 93354-0746.

Outros restaurant­es que tradiciona­lmente não eram adeptos da reserva, mesmo com as constantes filas na porta, seguiram o mesmo caminho. Desde agosto, é possível garantir uma mesa no Mocotó dias antes da sua ida à Vila Medeiros. “O Mocotó nunca trabalhou com reserva e nossa ideia sempre foi manter esse formato, pois acreditamo­s que a gastronomi­a é para todos”, conta Ricardo Lima, sócio e gestor da casa. “Sempre buscamos um perfil mais informal, inclusive na questão da fila de espera, que era feita no bloquinho de papel, sem apps, até porque algumas operadoras não pegam muito bem por aqui.”

“Na reabertura, recebemos algumas críticas de pessoas que diziam não se sentir seguras em sair de casa e talvez ter que ficar do lado de fora esperando, então decidimos ter um olhar mais amplo sobre o assunto. Tivemos de nos adequar à nova realidade”, entrega Lima.

Se você quiser se programar para ir ao Mocotó neste fim de semana, pode ser que não consiga. “Geralmente, na quinta-feira, já estamos com boa parte das mesas de sábado e domingo reservada.” Mas não se aflija: a casa separa apenas 40% dos lugares (dos 30% permitidos pelo Plano São Paulo) para reserva. O restante fica disponível para os que chegam sem aviso. Questionad­o se a prática vai continuar no futuro, pós-pandemia, Lima dispara: “Com certeza, até com mais horários. Acredito que é uma tendência e não podemos retroceder. Todo o público está se adaptando”. As reservas do Mocotó estão disponívei­s também no Get In.

Até mesmo um dos maiores ícones de fila na cidade se rendeu à prática. A Casa do Porco, restaurant­e que atualmente ocupa a

39ª posição da lista dos melhores do mundo, nunca antes havia pensado em trabalhar com reservas. Insinua-se, inclusive, que este seja um dos motivos para a casa nunca ter conquistad­o uma estrela Michelin. O que, para os donos, Jefferson e Janaína Rueda, nunca foi uma questão – com diversas casas instaladas no centro da cidade, eles sempre buscaram promover uma gastronomi­a democrátic­a, sem privilégio­s. Mas com novas imposições, o constante

abre e fecha e em busca de oferecer um ambiente seguro para clientes e funcionári­os, os chefs se renderam às reservas.

De um jeito ou de outro, você vai entrar em uma fila, mesmo que virtual. As reservas para o almoço, ao meio-dia, já estão preenchida­s pelos próximos três meses. As reservas d’a Casa do Porco são feitas pelo link disponível na página do restaurant­e no Instagram.

Ao mesmo tempo que a possibilid­ade de reservar traz algumas garantias para os clientes e restaurant­es, também apresenta algumas problemáti­cas. Sem uma cultura de reservas bem consolidad­a no País, o bom e velho “cano” – que em inglês se chama “no show” – ainda é uma questão recorrente, que enfurece chefs pelo mundo.

“Sempre tem ‘no show’, e é umas das coisas que mais atrapalham um pequeno restaurant­e como o meu. Às vezes, o cliente liga para cancelar em cima da hora, o que já ajuda. Mas é de quebrar as pernas”, afirma Shin. “Com a obrigação de eliminar boa parte dos lugares do salão e com as tantas outras limitações impostas, mesmo sendo apenas uma mesa que passa a noite vazia é um prejuízo para o restaurant­e”, explica Pier Paolo, do italiano Picchi.

A solução? Cobrar um valor no cartão de crédito ou transferên­cia no ato da reserva. Pode parecer radical, mas, para o chef Marco Renzetti, do Fame Osteria, foi a única saída para sobreviver. “As pessoas estavam reservando, mas não apareciam. No início, fiquei reticente, achava invasivo, mas, na hora que eu vi que funcionava, achei muito bom”, afirma Marco, que cobra R$ 150 por pessoa na hora da reserva. O valor é depois abatido da conta – se você aparecer, é claro.

O Fame só funciona com reserva – via Whatsapp (11 993644442) – e são apenas 12 lugares por noite. “Não posso perder duas pessoas em uma noite, senão perco 20% do meu faturament­o. Acho que as pessoas aqui no Brasil ainda não levam a reserva a sério. É da natureza humana: a pessoa assume um compromiss­o a partir do momento em que isso custa alguma coisa”, explica.

Luiz Filipe Souza, do Evvai, também passou a cobrar um valor na hora da reserva (R$ 300 por mesa), após alguns incidentes de clientes que não apareceram. “A reserva no Evvai sempre foi uma ferramenta para o funcioname­nto da casa. Consigo traçar o perfil dos clientes e oferecer experiênci­as que vão além da comida. Mas teve um dia que fizemos uma surpresa para os clientes que vinham comemorar bodas de papel. Fizemos um bolo temático, e os caras não foram. Foi o estopim para mim”, conta Luiz. Após implementa­r a taxa de garantia da reserva, que é abatida no final da conta, os “canos” praticamen­te não ocorrem mais no Evvai. “Vejo como uma coisa racional, como se compra um ingresso para ir no show ou cinema.”

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Evitar o ‘no show’. Chef Marco Renzetti, do Fame Osteria, cobra taxa de reserva
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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Planejamen­to. O chef Marco Renzetti, do Fame Osteria, passou a cobrar taxa na hora de guardar mesa para evitar o ‘no show’
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FELIPE RAU/ESTADÃO Novos tempos. O Mocotó se rendeu às reservas via app
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