Senadores atribuem orçamento secreto a razões de segurança
Parlamentares alegam risco ao Estado, à honra e à família para justificar sigilo
Em respostas por escrito a questionamentos feitos com base na Lei de Acesso à Informação, 20 senadores alegaram “segurança de Estado” e até “risco a sua honra e de sua família” para esconder ofícios enviados por eles ao governo para direcionar recursos do orçamento secreto de R$ 3 bilhões criado por Jair Bolsonaro. As reportagens do Estadão têm como base 101 documentos nos quais parlamentares indicam ao Ministério do Desenvolvimento Regional onde querem aplicar os recursos liberados pelo governo. Apesar de os senadores admitirem e até justificarem a necessidade de sigilo, Bolsonaro negou ontem a existência do orçamento secreto.
Um grupo de 20 senadores alegou “segurança de Estado” e até “risco a sua honra e de sua família” para esconder ofícios enviados por eles ao governo com o objetivo de direcionar recursos do orçamento secreto criado pelo presidente Jair Bolsonaro para aumentar sua base de apoio no Congresso. As respostas foram dadas, por escrito, a questionamentos feitos pelo Estadão com base na Lei de Acesso à Informação.
A reportagem está baseada num conjunto de 101 ofícios em que congressistas dizem ao Ministério do Desenvolvimento Regional onde querem aplicar os recursos que ganharam do governo. De posse desses documentos, o Estadão procurou os congressistas para checar as informações. Os senadores foram os mais resistentes.
Contemplado com a terceira maior cota do orçamento secreto – R$ 125 milhões – o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), respondeu que não iria divulgar os ofícios alegando que “documentos sigilosos produzidos ou sob a guarda do Senado Federal, observado seu teor, poderão ser classificados como ultrassecretos, secretos ou reservados”.
Fora da Lei de Acesso, o discurso do senador é outro. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, anteontem, Bezerra disse que o orçamento “de secreto não tem nada”. “É votado, debatido, discutido, é publicado”, afirmou ele.
O senador Carlos Viana (PSD-MG) encontrou outra justificativa. Para ele, a “publicização geraria especulações” que poderão resultar em “ataques à sua honra, de seus familiares e do Senado Federal”. Padrinho político do superintendente da Codevasf em Minas Gerais, Viana direcionou R$ 32 milhões do orçamento para a estatal. Já o senador Nelsinho Trad (PSDMS) disse que se trata de documentos que, pela sua natureza, são “imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado”.
Houve quem, ainda, considerasse um “abuso no direito de acesso à informação” a demanda do jornal pela “amplitude” do pedido. É o caso do senador Angelo Coronel (PSD-BA), contemplado com R$ 40 milhões do orçamento secreto. Consultado novamente ontem, ele respondeu, por meio da assessoria, que o sigilo é uma “estratégia política de relacionamento” com os municípios.
Dos 52 senadores procurados, 20 nem sequer responderam aos pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação. A legislação obriga os entes públicos a se manifestarem num prazo inicial de 30 dias. A norma foi criada justamente para dar transparência ao setor público. Outros 23 parlamentares negaram ter enviado ofícios para o ministério.
Pelo menos dois mentiram. O Estadão teve acesso a ofícios assinados pelos senadores Luiz do Carmo (MDB-GO) e Weverton (PDT-MA). Ao todo, eles indicaram R$ 31 milhões do orçamento secreto. Apesar de ser da oposição, Weverton foi contemplado com dinheiro do orçamento secreto em troca de apoiar Davi Alcolumbre (DEM-AP) na disputa pelo comando do Congresso. As assessorias dos dois senadores disseram que houve um “mal-entendido” na resposta enviada ao Estadão, mas não apresentaram os ofícios.
Contemplado com a segunda maior “cota” do orçamento secreto, R$ 135 milhões, o senador Ciro Nogueira (Progressistaspi) recorreu à Advocacia do Senado para ver como poderia escapar da resposta. Sua justificativa virou um padrão entre seus colegas. Para Nogueira, o parlamentar não é “obrigado a testemunhar
sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato”. Vinte gabinetes enviaram respostas idênticas ou semelhantes ao Estadão.
Ofensa. Apesar de os senadores admitirem e até justificarem a necessidade do sigilo, o presidente Jair Bolsonaro negou ontem a existência do orçamento secreto. “Inventaram que eu tenho um orçamento secreto agora. Eles não têm o que falar. Como um orçamento foi aprovado, discutido por meses, e agora apareceu (sic) R$ 3 bilhões? Só os canalhas do Estado de S. Paulo para escrever isso aí”, disse Bolsonaro.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, encaminhou ontem ofícios ao Ministério da Justiça e à Controladoria-geral da União (CGU) nos quais pede investigação sobre compra de tratores e equipamentos agrícolas com preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo. O dinheiro saiu do orçamento secreto. O Congresso também avalia abrir uma CPI.