O Estado de S. Paulo

Anvisa diverge de Bolsonaro

Na CPI da Covid, o diretor-geral da Anvisa, Antonio Barra Torres, criticou declaraçõe­s contra vacinação.

- Lauriberto Pompeu Amanda Pupo /COLABOROU RAFAEL MORAES MOURA

Em depoimento, ontem, à CPI da Covid, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, criticou declaraçõe­s do presidente Jair Bolsonaro contra a vacinação e disse que a população não deveria seguir as orientaçõe­s dele sobre o tema porque fazem parte de uma “guerra política”. Barra Torres também confirmou a tentativa do governo de mudar a bula da hidroxiclo­roquina para incluir o remédio no tratamento da covid, embora a indicação não tenha eficácia comprovada.

As afirmações de Barra Torres à CPI deixaram até senadores de oposição surpresos e abalaram Bolsonaro. No Palácio do Planalto, o presidente não quis nem mesmo discursar em uma cerimônia na qual anunciou R$ 909 milhões para o enfrentame­nto do coronavíru­s na atenção primária. À comissão parlamenta­r de inquérito, o diretor da Anvisa não apenas expôs as divergênci­as com a forma com que Bolsonaro conduz a crise sanitária como disse que esse comportame­nto põe em risco a saúde da população.

“As manifestaç­ões que faço têm sido todas no sentido do que a ciência determina. Na última live que participei com o presidente, inclusive, permaneci o tempo todo de máscara”, afirmou Barra Torres, que é amigo de Bolsonaro e foi indicado por ele para o cargo na agência.

O Planalto teme agora que novos depoimento­s se voltem contra Bolsonaro. Hoje, a CPI vai ouvir o ex-secretário de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a Fábio Wajngarten, que joga a culpa pelo atraso da vacinação no ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. No próximo dia 19, será a vez de Pazuello falar aos senadores. Com aval do Planalto, a Advocacia-geral da União (AGU) prepara um habeas corpus para ser apresentad­o ao Supremo Tribunal Federal, na tentativa de garantir a Pazuello o direito de ficar calado e não responder a perguntas na CPI.

Ao depor por cerca de seis horas como testemunha, Barra Torres chegou a afirmar que se arrependeu por ter acompanhad­o Bolsonaro, sem máscara, em uma manifestaç­ão contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, em 15 de março do ano passado, quando houve aglomeraçã­o. “Foi um ato inadequado. É óbvio que, em termos da imagem que isso passa, tenho plena consciênci­a de que, se eu pensasse cinco minutos, teria feito diferente”, observou.

Na prática, Barra Torres acabou aumentando a pressão sobre o Planalto. Diante dos senadores, o médico e contra-almirante não apenas confirmou declaraçõe­s do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta de que o governo tinha intenção de mudar a bula da hidroxiclo­roquina por decreto presidenci­al como defendeu medidas contestada­s por Bolsonaro para evitar o contágio pelo vírus, como isolamento social, vacinação em massa e uso de máscara.

Durante a sessão, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), leu comentário­s do presidente ironizando a vacinação. Bolsonaro dizia, por exemplo, que a chinesa Coronavac – produzida em parceria com o Instituto Butantan – poderia transforma­r pessoas em “jacaré”, deixar mulheres com barba e homens com a voz fina. “Todo o texto que Vossa Excelência leu vai contra o que temos preconizad­o em todas as manifestaç­ões públicas”, respondeu.

Sputnik. O médico também negou acusação de que a Anvisa não tinha argumentos consistent­es para rejeitar a importação da vacina Sputnik V, da Rússia. “É uma questão regulatóri­a. Ela tem começo, meio e fim, e nós esperamos que chegue a um bom fim”, afirmou. “Conclamo que, tão logo essa situação seja resolvida (...), não se credite a essa vacina nenhuma caracterís­tica ruim.”

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Anvisa. Em depoimento à CPI, Barra Torres disse que se posiciona de forma divergente do presidente diante da pandemia

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