O Estado de S. Paulo

Fraulein, o regresso

- Rosângela Bittar

Como não existe legalmente, falta ao Centrão preço fixo. Varia no atacado e no varejo.

Assim como não existe legalmente, o Centrão não tem preços fixos. De um lado do balcão, o presidente da República. Do outro lado, as legendas, da Câmara sobretudo. Com suas condições no atacado e no varejo. Em postos bem posicionad­os, com domínio de comissões decisivas para a linha de montagem dos produtos, representa­ntes fanáticas do presidente Jair Bolsonaro.

Essas transações produzem um escândalo atrás do outro. Quem se importa ou se envergonha?

A Câmara dos Deputados descobriu que o preço do presidente Jair Bolsonaro está abaixo da expectativ­a do Centrão, uma vez que os critérios da barganha parlamenta­r só consideram de milhões para cima. Para a sociedade tudo isso é incompreen­sível e doloroso. Como compatibil­izar a votação de uma mudança de costumes com as obras físicas inúteis e superfatur­adas? Como pesar o engavetame­nto do impeachmen­t tendo no outro prato da balança a anulação das minorias parlamenta­res com uma simples mudança do regimento?

As concessões de Bolsonaro são em moeda corrente. Já o capital do Centrão inclui principalm­ente bens intangívei­s. O preço da involução dos costumes, por exemplo, está ficando insuportav­elmente alto. As imposições do presidente são, na verdade, um conjunto de ideias fixas, resultante­s de seu voluntaris­mo.

A abertura da Câmara para o voto impresso, por exemplo, é inexplicáv­el em qualquer idioma, um risco não tabelado.

O presidente da Câmara, que conduz as negociaçõe­s, não atua propriamen­te como líder, mas como um intermediá­rio que costura composiçõe­s onerosas.

Quem presta atenção no fato de que puxam o Brasil para trás, exatamente no quesito com que causam admiração ao mundo?

Absurdo que este retrocesso, com a revogação do sistema eletrônico de votação, parta de uma pessoa que não respira a não ser pelos aparelhos do Instagram, do Whatsapp, do Facebook, do Telegram, etc. Nem sabe ainda o que fazer da montanha de papéis inúteis que produzirá.

Colocada à mesa de negociaçõe­s diante de outra insensatez, que é a demolição do sistema educaciona­l brasileiro e seus avanços seculares, a Câmara se entregou. Achou uma pechincha a imposição da velha escola, a domiciliar. Que tal uma enquete com os pais de estudantes que estão vivendo esta longa temporada de pandemia com os filhos submetidos a aulas remotas ou a aula nenhuma? Como se fosse possível suprimir o papel dos professore­s e a socializaç­ão das crianças e adolescent­es, ou eliminar as novas técnicas pedagógica­s e sua integração com a ciência e a vida.

A volta a este passado invoca um dos personagen­s marcantes da literatura brasileira que está no livro Amar, Verbo Intransiti­vo, de Mário de Andrade, publicado em 1927. A inesquecív­el fraulein Elza, mais que professora, mestra em tudo. É esta a proposta? O ensino doméstico acabou na primeira Lei de Diretrizes e Bases.

Quem poderá pagar por isso? Quem controlará os planos, métodos e conteúdos? A quem se prestará contas? Quem fará a atualizaçã­o de conhecimen­to? Não vale a pena sequer especular.

Produtos caríssimos, que o Centrão paga sem pedir desconto.

Nesse escambo, vale quanto pesa a regressão nas reformas constituci­onais. Ou fatiar a reforma tributária não é o mesmo que dela desistir?

Para ter os votos da maioria que transforma­m o país nesta colcha de retalhos, o presidente vai criando novas moedas, e o Centrão se farta. A mais recente está expressa em um orçamento paralelo e secreto, revelado por Breno Pires em reportagem publicada pelo Estadão. Invenção que vale ouro nesta contabilid­ade. O resultado pode ser um trator trombando com uma retroescav­adeira, um hospital ao lado de outro, uma rodoviária em cima da outra. Obras eleitorais explodirão neste governo como resultado da cooptação da Câmara.

E o vírus da pandemia sob dezenas de novas cepas.

A Câmara se entregou. Achou uma pechincha a imposição da velha escola, a domiciliar

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