O Estado de S. Paulo

Volta a questão palestina

- •✽ Thomas Friedman

Explosão de violência é multifator­ial. Envolve do fanatismo religioso ao Tiktok.

Oque ocorre quando o Tiktok alimenta a revolta palestina? E se você adiciona a mais sagrada noite dos muçulmanos? E depois acrescenta o feriado que mais comove os israelense­s em Jerusalém? Ou ainda uma jogada do Hamas para assumir a liderança da causa palestina? E, finalmente, um vazio político que a Autoridade Palestina (AP) é incapaz de ocupar? O resultado foi uma explosão da violência em Jerusalém que se propagou para a Faixa de Gaza e deixou as pessoas se perguntand­o: este é o início da próxima Intifada?

O governo israelense, as nações árabes e a AP querem que a resposta seja “não”. Israel porque tem pouco apoio da Casa Branca. Os governos árabes porque a maioria quer continuar fazendo negócios com os fabricante­s de tecnologia israelense­s e não defender atiradores de pedras palestinos. E a liderança palestina porque a revolta deixaria claro que ninguém tem mais controle sobre as ruas.

Jack Khoury, especialis­ta na dinâmica do conflito, escreveu no Haaretz que o motor do protesto “é o movimento popular” formado “pela geração jovem de palestinos que não espera mais nada da sua liderança”. O que desencadeo­u tudo? O pavio foi uma colisão de “tempos e território­s sagrados”, disse o filósofo religioso da Universida­de Hebraica Moshe Halbertal.

O Dia de Jerusalém neste ano – o feriado que comemora a conquista de Jerusalém Oriental, a Cidade Antiga e o Monte do Templo, em 1967 – foi celebrado com orações na noite de domingo. A data coincidiu com a Laylat al-qadrs dos muçulmanos, que neste ano caiu no sábado, a noite mais sagrada do Ramadã, marcada por milhares de encontros na Mesquita de Al-aqsa. A coincidênc­ia de datas causou confrontos nos becos de Jerusalém Oriental, culminando com a polícia israelense tomando a Mesquita de Al-aqsa, onde os palestinos haviam estocado pedras.

A situação foi agravada por uma disputa sobre o que Halbertal chamou de “território sagrado”. Israelense­s obtiveram ordem judicial para despejar seis famílias palestinas que viviam em casas e terras de propriedad­e de judeus, em Jerusalém Oriental, antes de a cidade ser dividida em 1948. Os palestinos contestara­m. A Suprema Corte deveria decidir na segunda-feira, mas adiou a sentença por causa da violência. Os palestinos alegam que é injusto que judeus reivindiqu­em propriedad­es que tinham antes de 1948, se eles não têm o mesmo direito de reclamar suas casas em Israel, também antes de 1948.

Os confrontos foram alimentado­s por cenas vistas no Tiktok. Em abril, alguns jovens palestinos carregaram na plataforma um vídeo deles próprios agredindo um judeu ortodoxo para inspirar ataques similares. Em resposta, judeus de extrema direita lideraram uma marcha por Jerusalém entoando o slogan “Árabes, caiam fora”.

Nos últimos anos, um consenso simplista surgiu, sugerindo que Israel suprimiu o conflito, que os palestinos estão resignados a viver sob controle permanente israelense. Esse consenso é tão forte que, em todas as quatro eleições recentes em Israel, a questão palestina não fez parte das campanhas. Os Acordos de Abraão, arquitetad­os pelo governo Trump, normalizan­do as relações entre Israel e Emirados Árabes, Bahrein, Sudão e Marrocos, reforçaram a ideia de que a causa palestina era coisa do passado. As manchetes de hoje provam a falácia do raciocínio.

Hoje, o governo Biden não tem nenhum interesse de reagir aos fatos. Não acredita que as condições são propícias para um progresso real e a última coisa que deseja é ser desviado de seu foco principal na região – reviver o acordo nuclear com o Irã.

Mas para onde vamos? Depende de Bibi Netanyahu. De todas as coincidênc­ias malucas, a mais insana é que os choques ocorrem no momento em que ele pode estar se despedindo do cargo. Netanyahu quer evitar que seus rivais formem uma coalizão. Ele gostaria que Israel realizasse uma quinta eleição. Uma boa maneira de conseguir isso é inflamar a situação a ponto de os rivais serem forçados a abandonar as tentativas de derrubá-lo.

Muita coisa depende também do Hamas. O grupo não conseguiu promover cresciment­o econômico em Gaza ou progresso político com Israel. E o que faz o Hamas quando se vê sem saída? Lança foguetes contra Israel. Mas, na segunda-feira, fez algo inusitado. Lançou foguetes contra Jerusalém, para tentar assumir a liderança da revolta. Israel retaliou bombardean­do Gaza.

Resumindo: tudo isso pode se acalmar em três ou quatro dias, quando Hamas, Israel, Egito, Jordânia e a AP entenderem que é interessan­te. Ou não. E, se a situação se transforma­r numa nova Intifada, abalará Israel, Gaza, Cisjordâni­a, Egito e os Acordos de Abraão. Se isso acontecer, sugiro a você baixar o Tiktok para acompanhar a situação em tempo real.

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