O Estado de S. Paulo

Orçamento para os amigos

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Opresident­e Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as galinhas, como os ovos e as chaves do galinheiro.

Ogoverno de Jair Bolsonaro montou um esquema de rateio de recursos públicos entre parlamenta­res de sua base, fora dos controles orçamentár­ios, conforme mostraram reportagen­s do Estado publicadas desde domingo. Trata-se de um escândalo que espanta não apenas pelos valores envolvidos – em torno de R$ 3 bilhões, até onde a reportagem pôde verificar –, mas também pela sorrateira engenharia para escamotear a escassez de critérios técnicos e a abundância de critérios políticos para a distribuiç­ão do dinheiro. Nada nessa história parece nem remotament­e republican­o.

No esquema, dezenas de parlamenta­res governista­s ganharam a chance de determinar a destinação de verbas do Ministério do Desenvolvi­mento Regional. O manejo dos recursos, por lei, cabe somente à pasta, dentro dos limites estabeleci­dos pelo Orçamento, mas o governo, no afã de agradar a sua base, simplesmen­te abriu mão dessa prerrogati­va.

As verbas em questão resultam das chamadas “emendas de relator”, modalidade de emenda parlamenta­r ao Orçamento introduzid­a no ano passado. O relator-geral do Orçamento pode encaminhar emendas para, entre outros objetivos, remanejar recursos para determinad­as áreas. Nessa modalidade, não cabe ao relator indicar qual município receberá o dinheiro nem qual obra será financiada. Essa tarefa – a execução orçamentár­ia – é do Ministério.

Mas o governo de Jair Bolsonaro concedeu a parlamenta­res aliados a possibilid­ade de direcionar essas verbas remanejada­s conforme seus interesses políticos. Deputados e senadores já têm a prerrogati­va de encaminhar emendas pessoais ao Orçamento, nas quais apontam o beneficiár­io e a justificat­iva técnica do gasto, e em geral servem para atender a suas bases eleitorais.

Nesse caso, as cotas são iguais para todos os parlamenta­res – e limitadas a R$ 8 milhões por ano. No esquema revelado pelo Estado, contudo, quem vota com o governo ganha a chance de apadrinhar projetos cujo valor vai muito além do limite estabeleci­do para as emendas.

A título de exemplo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), um dos premiados, determinou a destinação de R$ 277 milhões de verbas do Ministério do Desenvolvi­mento Regional. O senador levaria 34 anos para conseguir indicar esse valor caso se restringis­se a encaminhar emendas parlamenta­res.

Os ofícios enviados pelos parlamenta­res para movimentar o Orçamento fora dos controles públicos mostram a sem-cerimônia. Nos documentos, obtidos pela reportagem, os políticos usam expressões como “minha cota”, “fui contemplad­o” e “recursos a mim reservados”.

Para adicionar insulto à injúria, parte consideráv­el do dinheiro manejado pelos parlamenta­res destinou-se à compra de máquinas agrícolas a um custo várias vezes superior ao estabeleci­do pela tabela do governo. Portanto, há claros sinais de superfatur­amento.

Grande como é, o escândalo agora revelado embute um outro, igualmente impression­ante: é a incrível expansão da Codevasf (Companhia de Desenvolvi­mento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), estatal que recebeu boa parte dos recursos irregularm­ente direcionad­os pelos parlamenta­res governista­s.

A estatal, criada em 1974 para atender 504 cidades e desenvolve­r as margens do Rio São Francisco, hoje atua em nada menos que 2.675 municípios – alguns dos quais distantes 1.500 km do rio.

A dilatação da Codevasf foi patrocinad­a pelo presidente Bolsonaro, que incluiu mil municípios na cobertura da estatal com vista a ganhar apoio à sua reeleição. Até o Amapá do senador Alcolumbre, a léguas do Rio São Francisco, agora é atendido pela Codevasf. Ademais, Bolsonaro loteou as diretorias da Codevasf entre os partidos do Centrão, que trataram de articular a abertura de superinten­dências regionais para distribuí-las a aliados.

Assim, o presidente Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as galinhas, como os ovos e as chaves do galinheiro. Como se sabe, a elaboração e a execução do Orçamento são reguladas por rígida legislação, que exige total transparên­cia. Mas Bolsonaro e seus felpudos associados não gostam muito de leis.

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