O Estado de S. Paulo

Retroativi­dade ou retrocesso?

PEDRO DE CAMARGO NETO, PRODUTOR RURAL, EX-SECRETÁRIO DE PRODUÇÃO DO MAPA, EX-PRESIDENTE DE ENTIDADES DE CLASSE

- •✽ PEDRO DE CAMARGO NETO ✽

OSuperior Tribunal de Justiça (STJ) está prestes a decidir, com repercussã­o geral, isto é, para todos os processos em que a questão está em julgamento, e são centenas de processos, sobre a possibilid­ade de se reconhecer a retroativi­dade de normas no Código Florestal (CF) alcançando situações consolidad­as praticadas sob legislação anterior. Em São Paulo, o Ministério Público Estadual entrou com Ação Civil Pública contra o decreto do governador que regulament­a o Programa de Regulariza­ção Ambiental (PRA) no Estado, em especial a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Após participat­ivo debate no Congresso Nacional, o Código Florestal foi aprovado em maio de 2012 por ampla maioria de votos. A primeira versão do atual Código Florestal foi aprovada na Câmara Federal por 410 votos contra 63; e no Senado, por 59 a 7. O acordo político obtido precisa ser visto como a consolidaç­ão do que existia de positivo e o desenvolvi­mento de regras atualizada­s para preservaçã­o florestal. O foco hoje precisa ser tornar efetivo seu cumpriment­o, eliminando ilegalidad­es ainda persistent­es, e não contestar a legislação ampliando a inseguranç­a jurídica.

Logo após a aprovação do CF no Congresso, o Ministério Público Federal entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com diversas Ações Direta de Inconstitu­cionalidad­e (Adins) contestand­o artigos do Código Florestal. Foram anos de inseguranç­a jurídica. Em agosto de 2019, foi publicado Acórdão consideran­do constituci­onal o novo Código Florestal na quase totalidade.

Evoluímos no que agora pretendem retroceder. O Código Florestal foi desenhado, votado, julgado, atingindo situações consolidad­as no passado olhando para o futuro.

O conceito de área consolidad­a, tratado no artigo 68, garante o direito de produzir em área desmatada, desde que esse processo de desmatamen­to tenha ocorrido dentro da legislação da época. Significa não precisar possuir uma Reserva Legal do porcentual da área da propriedad­e especifica­da no Código Florestal atual, desde que o desmatamen­to tenha ocorrido dentro da lei da época. Não se trata de alegar que existiriam anistias a crimes ambientais. Crimes tributário­s, eleitorais ou mesmo penais prescrevem. Não se trata de prescrição de crimes de qualquer espécie. A ocupação foi legal. No caso de o desmatamen­to ter ocorrido em desrespeit­o à legislação da época o crime permanece. A evolução do conhecimen­to e a compreensã­o da sociedade nos temas ambientais avançaram. A legislação se adequou.

Decreto de 1934 introduziu o conceito de Reserva Legal sem a conotação ambiental, pois visava a estabelece­r reserva de madeira. Possibilit­ava a derrubada de 75% da área coberta por mata sem qualquer menção a outro tipo de vegetação.

Foi substituíd­o 30 anos depois, em 1965, no que se chamou o novo Código Florestal. Este inovou estabelece­ndo porcentuai­s de proteção das matas conforme a região do País em que se encontrass­e a propriedad­e rural. Obrigava conservar 20% das matas existentes situadas no Sul do País, no leste meridional e na parte sul do Centrooest­e. Para a Bacia Amazônica proibiu a exploração sob forma empírica das florestas primitivas, exigindo planos técnicos de condução e manejo a serem estabeleci­dos pelo Poder Público.

Foi sendo gradativam­ente modernizad­o por diversas novas legislaçõe­s, em especial a Lei 7.803 de 1989, que introduziu de maneira definitiva o conceito de Reserva Legal tratando como porcentual de área mínima a ser preservado no interior da propriedad­e rural. Não somente as áreas de mata deveriam ser preservada­s, mas qualquer que fosse a forma de vegetação existente na área, inclusive as áreas de

Cerrado.

Retroagir, retroceder, além de representa­r inseguranç­a jurídica, pois coloca enorme número de propriedad­es no limbo, tem implicaçõe­s socioeconô­micas certamente não avaliadas. A ocupação de extensas áreas do território no século passado foi realizada dentro da legislação existente. Não é correto pretender enquadrar esse extenso território dentro de um conceito florestal que foi alterado no Congresso Nacional pensando no futuro, e não para condenar o passado.

Será triste ver ignorarem a realidade. Serão anos de inseguranç­a jurídica aguardando a intervençã­o do STF, ou mesmo do Congresso Nacional, pois certamente é impossível essa pretendida volta para o passado. Reitero, o imprescind­ível hoje é cumprir o Código Florestal, enfrentar os desmatamen­tos ilegais, e não ampliar a inseguranç­a jurídica, que já não é boa.

Precisamos tornar efetivo o cumpriment­o do Código Florestal, e não contestar a legislação

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