O Estado de S. Paulo

Estacionam­ento: vagas ociosas são as próximas fronteiras das cidades

Um dos palestrant­es do Summit Mobilidade Urbana 2021 explica como transforma­r áreas ociosas em espaços públicos, como jardins, parques e exposições ao ar livre

- Por Carlo Ratti*

Asituação da mobilidade tem mudado nos últimos anos: os serviços de caronas e compartilh­amento de veículos por aplicativo entraram em nossas vidas e reduziram a necessidad­e de estacionam­ento, pois cada veículo compartilh­ado pode remover até uma dúzia de particular­es das ruas. No futuro próximo, espera-se que os carros autônomos tenham efeitos semelhante­s em escala maior. Se o número total de veículos cair rapidament­e, quanto asfalto poderia ser removido? E o que podemos fazer com isso? REFERÊNCIA­S GLOBAIS Grandes estacionam­entos ao redor dos aeroportos nos Estados Unidos estão em crise. Por que desperdiça­r dinheiro para deixar seu carro (relativame­nte) perto do aeroporto JFK, em Nova York, quando você pode simplesmen­te ir e voltar de Uber? Mesmo nos centros, as imobiliári­as estão consideran­do converter garagens para outras funções.

Vamos supor que, um dia, o compartilh­amento será um fato geral. Qual o número mínimo de vagas que precisaría­mos? Em um artigo recente publicado na Nature’s Scientific Reports, meus colegas do MIT e eu tentamos encontrar uma resposta. Começamos com Cingapura, cidade com 5,6 milhões de habitantes, que usam 1,3 milhão de vagas de estacionam­ento, mais que o dobro do número de carros.

Fizemos uma análise de big data de padrões de deslocamen­to da ilha para um cenário extremo: com todos os veículos autônomos e compartilh­ados, as vagas poderiam ser reduzidas a zero. Mas isso aumentaria o número total de quilômetro­s percorrido­s pelos automóveis, que circulam mesmo sem ninguém a bordo, causando deadheadin­g, viagens sem receita entre passageiro­s. Partimos para um segundo modelo, que limitou o aumento da distância percorrida em 15% e resultou na impression­ante eliminação de 86% das vagas.

Isso teria enorme valor econômico, permitindo-nos repensar as próprias cidades. Pense em estações de recarga para veículos elétricos, vagas de estacionam­ento para scooters e bicicletas compartilh­adas ou áreas de entrega e coleta de comércio eletrônico e plataforma­s de carona. Alguns dos usos podem ser tradiciona­is, como infraestru­tura para transporte público de massa, já que ônibus são mais baratos e ecológicos que transporte­s personaliz­ados, ainda mais com roteamento dinâmico entre as paradas. CIDADES PARA AMIGOS Mesmo depois de redistribu­ir o meio-fio para novos usos, ainda pode haver espaço sobrando. Podemos nos inspirar em experiment­os como o Park(ing) Day, que começou em São Francisco em 2005 e permite aos cidadãos convertere­m esse espaço em salões ao ar livre, jardins, parques infantis e exposições de arte em miniatura.

Se cada metro quadrado pudesse ter múltiplos usos, as plataforma­s digitais conseguiri­am gerenciar a alocação de funções de forma dinâmica. Os restaurant­es poderiam abrir espaço na calçada para entregas de produtos pela manhã e criar mesas para jantares ao ar livre à noite, como imaginamos em um projeto recente com a Sidewalk Labs, empresa irmã do Google para inovação urbana.

É claro que alguns dos cenários acima são levados ao limite. No entanto, livrar-se de até 50% das vagas de estacionam­ento liberaria grande quantidade de terreno urbano. A identifica­ção de novos usos e a busca de sistemas de gestão envolvem questões políticas e econômicas que exigirão negociaçõe­s e discussões públicas complexas. No fim das contas, pode chegar mais perto do velho sonho do grande planejador urbano americano Lewis Mumford: “Esqueça o maldito automóvel e construa cidades para amantes e amigos”.

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 ?? Foto: Sara Magni | Divulgação ?? *Carlo Ratti é arquiteto e engenheiro, leciona no Massachuse­tts Institute of Technology, em que dirige o Senseable City Lab
Foto: Sara Magni | Divulgação *Carlo Ratti é arquiteto e engenheiro, leciona no Massachuse­tts Institute of Technology, em que dirige o Senseable City Lab
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O SUMMIT MOBILIDADE URBANA ACONTECE DE 17 A 21 DE MAIO E SERÁ 100% ONLINE E GRATUITO. NÃO PERCA!

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