O Estado de S. Paulo

Ex-assessor admite na CPI que governo ignorou Pfizer

Fábio Wajngarten, ex-chefe de Comunicaçã­o do Planalto, caiu em contradiçã­o e foi ameaçado de prisão por Renan

- Lauriberto Pompeu Amanda Pupo / BRASÍLIA

O ex-secretário de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a Fábio Wajngarten admitiu à CPI da Covid que a carta na qual a Pfizer anunciou a disposição de negociar vacinas contra o coronavíru­s com o Brasil foi enviada ao governo em setembro de 2020 e ficou dois meses sem resposta. Na carta, o CEO da Pfizer, Albert Bourla, alertou que a celeridade nas negociaçõe­s era “essencial” e “crucial” em razão da alta demanda e do número limitado de doses em 2020. O governo fechou contrato com a Pfizer somente em março. Ontem, Wajngarten caiu em contradiçã­o pelo menos três vezes, negou ter chamado o ex-ministro Eduardo Pazuello de “incompeten­te” e irritou senadores. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que pediria a prisão de Wajngarten por falso testemunho. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), se irritou. Durante a sessão, Flávio Bolsonaro (Republican­os-rj) chamou Renan de “vagabundo”. Renan disse que Flávio “roubou dinheiro”.

Eu não sou carcereiro de ninguém” SENADOR OMAR AZIZ (PSD-AM) PRESIDENTE DA CPI DA COVID

Em uma sessão marcada por bate-boca, xingamento­s e até ameaça de prisão, o ex-secretário de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a Fábio Wajngarten admitiu à CPI da Covid, ontem, que a carta na qual a empresa Pfizer se dispunha a negociar vacinas contra o coronavíru­s foi enviada ao governo em setembro de 2020 e ficou dois meses sem resposta. No depoimento, que durou mais de oito horas, Wajngarten caiu em contradiçã­o, negou ter chamado o exministro da Saúde Eduardo Pazuello de “incompeten­te” e irritou senadores.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse mais de uma vez que pediria a prisão de Wajngarten por falso testemunho. A posição de Renan provocou contraried­ade do presidente da CPI, Omar Aziz (PSDAM), até então seu aliado, e os dois acabaram discutindo. “Eu não sou carcereiro de ninguém”, reagiu Aziz. O senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-rj) entrou na sala e chamou Renan de “vagabundo”.

“Imagina a situação: um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros”, afirmou Flávio, filho “01” de Bolsonaro, ao dizer que o relator queria transforma­r a CPI em palanque eleitoral. “Vagabundo é você, que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete”, retrucou Renan. “Vá se f...!”, devolveu Flávio, que foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa no processo das “rachadinha­s”. Mais tarde, nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro escreveu: “Com mais de 10 inquéritos no STF, Renan tem moral para querer prender alguém?”

O presidente da CPI suspendeu o depoimento, aproveitan­do que os trabalhos precisaria­m ser interrompi­dos por causa da sessão do Senado. “O que aconteceu aqui foi quebra de decoro”, afirmou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-ap). Quando todos voltaram à sala, Aziz se dirigiu a Wajngarten e lhe passou uma descompost­ura: “Não pense que o pior na sua vida seria a prisão. O pior é o legado que você construiu com muito trabalho e perdeu hoje aqui na CPI”.

Carta. O clima tenso dominou toda a sessão. Além da troca de ofensas entre senadores, Wajngarten foi chamado de “mentiroso” em vários momentos. Um deles foi quando tentou amenizar a entrevista dada à revista Veja, em abril. Nela, o exsecretár­io de Comunicaçã­o responsabi­lizou o Ministério da Saúde, à época comandado por Pazuello, pelo atraso das vacinas e contou que o CEO da Pfizer, Albert Bourla, havia encaminhad­o uma carta não apenas ao gabinete de Bolsonaro como a várias autoridade­s do governo (mais informaçõe­s na página A10), em setembro, oferecendo 70 milhões de doses da vacina. Disse ainda que, como ninguém havia se manifestad­o, levou o caso a Bolsonaro, que o autorizou a negociar com a empresa. “Houve incompetên­cia e ineficiênc­ia”, disse na entrevista.

À CPI, no entanto, o ex-titular da Secom não quis apontar o dedo para Pazuello e muito menos para Bolsonaro. Mesmo assim, confirmou que a correspond­ência da Pfizer fora enviada ao governo em 12 de setembro, não tendo resposta até 9 de novembro. Mas diminuiu o número da oferta da empresa. “A proposta da Pfizer, no começo da conversa, falava em irrisórias 500 mil vacinas”, disse.

Questionad­o por Renan sobre quem seria responsáve­l pelo atraso na compra das vacinas da Pfizer e, ainda, sobre a criação de um gabinete paralelo de aconselham­ento do presidente, Wajngarten deu voltas e afirmou desconhece­r o assunto.

“Vossa Excelência é a prova da existência dessa consultori­a. Vossa Excelência é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República porque iniciou uma negociação, como secretário de Comunicaçã­o, e se dizendo em nome do presidente. É a prova da existência disso”, afirmou Renan, numa referência ao gabinete paralelo.

Diante de uma placa que substituiu seu nome na mesa pelo número 425.711, em alusão às mortes da pandemia no Brasil, o senador quis saber do publicitár­io sua avaliação sobre o impacto de atitudes negacionis­tas de Bolsonaro. “Pergunte a ele”, respondeu Wajngarten. Aziz não escondeu a irritação. “Por favor, não menospreze a nossa inteligênc­ia. Ninguém é imbecil aqui. O senhor está mentindo para todos nós”, disse.

Renan afirmou que iria requerer a gravação da entrevista à Veja, que, logo depois, publicou em seu site o áudio, no qual o ex-titular da Secom reitera ter havido “incompetên­cia” nas negociaçõe­s da vacina. “Vou requerer, na forma da legislação processual, a prisão do depoente”, anunciou o relator.

Outros senadores, como Fabiano Contarato (Rede-es), também defenderam a prisão de Wajngarten depois que ele negou ter autorizado a campanha publicitár­ia com o mote #O Brasil não pode parar, assinada pela Secom, contra o isolamento social. A campanha foi veiculada em março do ano passado. Wajngarten lembrou que, à época, havia contraído coronavíru­s e ficou afastado. “Esse depoente tem de sair daqui preso”, gritou Contarato, que é delegado. “O espetáculo da mentira é algo que não vai se repetir e não pode servir de precedente”, insistiu Renan.

O Código Penal, em seu artigo 342, classifica o ato de fazer afirmação falsa em investigaç­ão como crime punível com reclusão de dois a quatro anos e multa.

NA WEB

Monitor. Acompanhe o andamento da CPI da Covid estadao.com.br/e/monitorcpi

 ?? GABRIELA BILÓ / ESTADÃO ?? Sessão tensa. Depoimento de Fábio Wajngarten na CPI durou mais de oito horas e foi marcado por tumulto
GABRIELA BILÓ / ESTADÃO Sessão tensa. Depoimento de Fábio Wajngarten na CPI durou mais de oito horas e foi marcado por tumulto
 ?? GABRIELA BILO / ESTADÃO ?? Sessão. Fábio Wajngarten na CPI; oitiva, que durou mais de oito horas, irritou senadores
GABRIELA BILO / ESTADÃO Sessão. Fábio Wajngarten na CPI; oitiva, que durou mais de oito horas, irritou senadores

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil