O Estado de S. Paulo

Ibaneis teve cota no orçamento secreto

Aliado de Bolsonaro, governador do Distrito Federal direciona R$ 15 milhões de ministério para obras e compras de veículos e máquinas

- Breno Pires Vinícius Valfré / BRASÍLIA

O governador Ibaneis Rocha (MDBDF) dirigiu R$ 15 milhões para obras e compra de máquinas. Ele admite ter beneficiad­o o Piauí.

O esquema do orçamento secreto criado pelo presidente Jair Bolsonaro para aumentar sua base de apoio no Congresso não se limita a atender a demandas de deputados e senadores. Um documento do Ministério do Desenvolvi­mento Regional revela que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), pôde direcionar R$ 15 milhões da pasta para obras e compras de veículos e máquinas.

Aliado do presidente, Ibaneis indicou a verba para pavimentaç­ão e escoamento, aquisição de carros e, ainda, para despesas “administra­tivas” e de “fiscalizaç­ão” da Companhia de Desenvolvi­mento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), em Brasília.

Procurado pelo Estadão, o governador admitiu que também enviou dinheiro da sua cota do orçamento secreto para o Piauí, Estado de sua família. “Todos os recursos destinados ao Distrito Federal foram devidament­e aplicados. Nos demais casos, como não havia projetos, o governador destinou as verbas a algumas prefeitura­s do Piauí”, disse. Ele não esclareceu, porém, por que fez repasses para outro Estado.

Na segunda-feira passada, o Estadão mostrou que a “estatal do Centrão”, como é conhecida a Codevasf, virou um duto para escoamento do dinheiro do esquema operado pelo governo. Na gestão Bolsonaro, a empresa passou a atuar em bases eleitorais de aliados do governo distantes 1.500 quilômetro­s das margens do Velho Chico. A sede da estatal fica em Brasília.

Os recursos são provenient­es de uma nova modalidade da emenda de relator-geral, a chamada RP9. Bolsonaro vetou uma tentativa do Congresso de impor a aplicação desse dinheiro por “contrariar o interesse público” e “fomentar cunho personalís­tico nas indicações”.

Uma série de 101 ofícios a que o Estadão teve acesso, contudo, revelou que o presidente passou a ignorar seu ato quando se aproximou do Centrão e implemento­u um “toma lá, dá cá”.

Toda essa negociação que definiu quem seria atendido e o que seria feito com o dinheiro ocorreu a portas fechadas dentro de gabinetes no Palácio do Planalto e distante do controle

de transparên­cia. Somente no Ministério do Desenvolvi­mento Regional foram R$ 3 bilhões liberados para um seleto grupo político, em dezembro de 2020. Como mostrou o Estadão, parte do dinheiro foi direcionad­a para comprar trator a preços até 259% acima da tabela de referência do governo, o que levou o escândalo a ser apelidado de “tratoraço” nas redes sociais.

O dinheiro que atendeu Ibaneis também vem de emendas tipo RP9, mas é de uma cota anterior, de julho do ano passado. O Ministério do Desenvolvi­mento Regional tem afirmado que “é do Parlamento a prerrogati­va de indicar recursos da chamada emenda de relator-geral (RP9) do Orçamento”. O atendiment­o ao governador do Distrito Federal contraria essa versão. Procurado ontem, o ministério não se manifestou.

A emenda de relator foi criada em 2019, já no governo Bolsonaro. Ao contrário das emendas individuai­s e de bancada, ela deveria ser definida conforme critérios técnicos do governo. Documentos aos quais o Estadão teve acesso, porém, indicam que o dinheiro tem sido despejado nos redutos eleitorais dos políticos. O esquema colocou nas mãos de políticos como o senador Davi Alcolumbre (DEMAP), por exemplo, o controle de R$ 270 milhões do ministério. Ele precisaria de 34 anos como senador para poder manejar esse volume de recursos consideran­do suas emendas individuai­s de livre direcionam­ento (R$ 8 milhões por ano).

‘Risco’. Desde domingo, o Estadão revela, em uma série de reportagen­s, como o presidente Jair Bolsonaro montou o esquema. Ontem, o jornal mostrou que os documentos sobre a operação são mantidos em sigilo por parlamenta­res. Um grupo de senadores alegou “segurança de Estado” e “risco a sua honra e de sua família” para esconder ofícios em que detalham onde queriam aplicar o dinheiro.

Em resposta por escrito a pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), chegou a justificar que esses documentos devem ser carimbados como “ultrassecr­etos”. Na segunda-feira, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, declarou que “não tem nada de secreto” na operação montada pelo governo.

O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar ontem a revelação do esquema do orçamento secreto. Anteontem, ele negou que tenha montado o esquema para aumentar sua base de apoio. O Congresso discute abrir a CPI do Tratoraço.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 21/6/2020 Destinação. Ibaneis Rocha, governador do Distrito Federal; emedebista também direcionou recursos do orçamento secreto mantido pelo governo federal

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