O Estado de S. Paulo

Kerry fala em diálogo para ‘salvar’ Amazônia

Maior autoridade sobre clima da administra­ção Biden diz que quer evitar que floresta ‘desapareça’: ‘Estamos dispostos a conversar’

- Beatriz Bulla

Autoridade dos EUA para meio ambiente disse que diálogo com Bolsonaro é meio de evitar que Amazônia “desapareça”.

Maior autoridade ambiental do governo americano, o ex-secretário de Estado John Kerry afirmou ontem, em audiência no Congresso, que o diálogo com o Brasil é a única forma de evitar que a Amazônia “desapareça”. Durante seu depoimento, o czar do clima da Casa Branca voltou a demonstrar ceticismo com as promessas do governo brasileiro.

“Estamos dispostos a conversar com eles (governo Bolsonaro), mas não estamos fazendo isso com uma venda nos olhos, e sim com uma compreensã­o de onde estivemos. Mas, se não falarmos com eles, pode ter certeza de que aquela floresta vai desaparece­r”, afirmou Kerry, ao responder ao deputado democrata Albio Sires sobre o fato de o Brasil ter cortado verbas para o meio ambiente após prometer ampliá-las durante a cúpula do clima organizada pelo presidente, Joe Biden.

A Casa Branca tem sido pressionad­a por congressis­tas democratas e ambientali­stas, que afirmam que promessas feitas pelo presidente, Jair Bolsonaro, e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não são confiáveis. Logo após a cúpula de líderes sobre o clima, em 22 de abril, Kerry se mostrou cético sobre o cumpriment­o das metas pelo governo brasileiro.

Ontem, ele indicou que sabe dos problemas do Brasil e defendeu as negociaçõe­s.

Segundo ele, os dois países estão tentando formatar uma estrutura que possibilit­e a verificaçã­o das metas e a prestação de contas do governo brasileiro. “Promessas já foram feitas no passado”, disse Kerry.

Questionad­o pela também democrata Susan Wild sobre o status das negociaçõe­s com o Brasil, Kerry afirmou que espera ver as conversas com o governo brasileiro concretiza­das. “Estamos no meio dessa negociação agora. Começamos há algumas semanas. Tivemos algumas conversas boas e temos esperança de transforma­r a intenção em ação, que seja efetiva e verificáve­l. Obviamente, há desafios e estamos cientes.”

Verba cortada. Um dia depois de Bolsonaro prometer a líderes de 40 países que dobraria os repasses ambientais, o governo federal anunciou um corte de R$ 240 milhões no orçamento dedicado Ministério do Meio Ambiente. Durante a cúpula internacio­nal, Bolsonaro prometeu dobrar os recursos destinados à fiscalizaç­ão, mas não detalhou valores ou datas. Depois disso, Kerry teve uma reunião virtual com Salles e com o chanceler, Carlos França, e questionou as autoridade­s brasileira­s sobre o corte de gastos. Na ocasião, os ministros brasileiro­s prometeram que haveria uma recomposiç­ão dos recursos.

Ontem, no Congresso, Kerry elogiou a queda nos níveis de desmatamen­to no Brasil em governos passados, mas criticou os retrocesso­s do governo Bolsonaro na política ambiental. “O Brasil foi muito bem entre 2004 e 2012. Estavam progredind­o e parando o desmatamen­to”, afirmou o diplomata americano. No entanto, de acordo com ele, entre 2012 e 2020, o desmatamen­to atingiu picos.

Aos congressis­tas americanos, Kerry demonstrou preocupaçã­o com os níveis atuais de desmatamen­to na Amazônia. “Cientistas nos dizem que o nível de corte da floresta é tão significat­ivo que há a possibilid­ade de já termos atingido um ponto de inflexão na capacidade da floresta de continuar como uma floresta tropical”, disse. “Há uma semana, saiu um artigo dizendo que a Amazônia está liberando mais carbono do que consome. Então, alguma coisa está acontecend­o. Temos de descobrir.”

Ele prometeu ao Congresso apresentar um relatório sobre a situação “nos próximos meses”, antes da Cúpula do Clima, que ocorrerá em novembro, em Glasgow, na Escócia.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente do Brasil disse que “John Kerry e os EUA já estão dialogando conosco há bastante tempo”. “Quem é contra são sempre os do contra, quando não há recursos para os seus próprios bolsos.”

Ontem, durante a fala de Kerry ao Congresso, ativistas notaram que o czar do clima da Casa Branca chamou o governo brasileiro de “regime Bolsonaro”, ao responder a uma pergunta sobre o aumento do desmatamen­to. “Infelizmen­te, o ‘regime Bolsonaro’ reverteu algumas das proteções ambientais”, afirmou.

O termo chamou a atenção, porque as autoridade­s americanas costumam classifica­r como “regime” apenas governos autoritári­os, como o de Nicolás Maduro, na Venezuela, Daniel Ortega, na Nicarágua, ou de Bashar Assad, na Síria. O Estadão questionou o Departamen­to de Estado sobre o termo usado por Kerry, mas não obteve resposta.

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AL DRAGO/THE NEW YORK TIMES Pressão. Kerry quer que o Brasil dê resposta confiável na verificaçã­o do desmatamen­to

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