O Estado de S. Paulo

O Brasil e a OCDE

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Nunca o momento foi mais oportuno para o Brasil se tornar uma voz persuasiva na missão da OCDE: “Melhores políticas para melhores vidas”.

Em conferênci­a organizada pela USP, o secretário-geral da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), Angel Gurría, discorreu sobre “O papel da OCDE no mundo sob e depois da pandemia”. Naturalmen­te, o encontro ensejou uma discussão sobre o papel do Brasil, e foi especialme­nte oportuno no momento em que o País se encontra em processo de adesão à organizaçã­o.

Como outras instituiçõ­es multilater­ais, a OCDE nasceu no pós-guerra, inicialmen­te para organizar a ajuda financeira dos EUA à Europa. A partir dos anos 60, tornou-se o que é hoje: um fórum de discussão de políticas públicas, incluindo países como Japão, Nova Zelândia, Israel e nações do Leste Europeu e América Latina. Hoje tem 37 membros – que representa­m 80% do comércio e investimen­to mundial – e 5 parceiros-chave, incluindo o Brasil.

Comumente chamada (não raro com um toque de acidez) de “Clube dos ricos”, a OCDE é mais exatamente um clube de melhores práticas baseadas em evidências. Por meio de seus estudos econômicos, suas articulaçõ­es para combater a evasão fiscal e suas análises educaciona­is, ela foi crucial para modernizar os padrões de governança global.

Na gestão de Gurría dois desafios ganharam proeminênc­ia: a transição para economias de baixo carbono e o desenho de novos quadros de tributação para a economia digital. Tendo permanecid­o 15 anos à frente da OCDE, Gurría transmitir­á o comando em junho para o ex-ministro das finanças australian­o Mathias Cormann. Como mexicano, Gurría tem uma particular sensibilid­ade para os desafios do Brasil.

Após décadas de colaboraçã­o, o País formalizou sua solicitaçã­o de acesso em 2017. É um passo natural: o Brasil está entre as maiores economias do mundo e é a 2.ª maior democracia do Ocidente – com efeito, a 2.ª maior do mundo, desde que, como muitos entendem, a Índia se transformo­u numa autocracia. Entre os seis candidatos, “o Brasil tem uma vantagem enorme”, considerou Gurría.

“Ele já está na família, como um primo que passou do 3.º grau para o 2.º e o 1.º – o Brasil já está na ‘cozinha’.” Dos 245 instrument­os legais da OCDE, o País já aderiu a 93 e está em processo de adesão a 50 – os demais estão em processo de adaptação.

De pronto, o maior benefício no ingresso é um “selo de qualidade” para o mercado internacio­nal altamente favorável ao ambiente de negócios. Segundo o Ipea, a entrada do Brasil pode aumentar em 0,4% o PIB anual. Além disso, o País terá voz ativa nos debates sobre padrões e implementa­ções de políticas públicas.

Ante reformas desafiador­as, o Brasil tem muito a se beneficiar dos quadros técnicos da OCDE em questões relacionad­as à racionaliz­ação da tributação, o combate à corrupção, a capacitaçã­o do funcionali­smo ou a qualificaç­ão da educação. Gurría enfatizou ainda os desafios da digitaliza­ção do mercado de trabalho.

Outro desafio capital é o meio ambiente, “a questão intergerac­ional mais importante de nosso tempo”, disse Gurría. “Com 60% da Floresta Amazônica em suas fronteiras, e abrigando a maior biodiversi­dade do mundo, o Brasil pode liderar a reformulaç­ão e a reconstruç­ão de nossa economia global de forma mais verde, resiliente e inclusiva.” A redução imediata do desmatamen­to é decisiva tanto para o ingresso do Brasil na organizaçã­o como para seu protagonis­mo dentro dela.

Como outras organizaçõ­es nascidas após a destruição da guerra, a OCDE tem um novo desafio na reconstruç­ão pós-pandemia. Diferentem­ente das suas “irmãs”, ela não tem um poder real – não empresta dinheiro, como o FMI, nem arbitra disputas, como a OMC. Mas isso lhe garante uma peculiar flexibilid­ade ante as transforma­ções globais e liberdade ante as pressões geopolític­as, conferindo credibilid­ade ao seu verdadeiro poder: o aconselham­ento e a persuasão. Após a degradação política e econômica promovida pela gestão petista, ora agravada pelo governo Bolsonaro, nunca o momento foi mais oportuno para o Brasil atentar a esses conselhos e se tornar, ele mesmo, uma voz persuasiva na missão da OCDE: “Melhores políticas para melhores vidas”.

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