O Estado de S. Paulo

Mais um recorde de desmatamen­to ilegal

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Governo Bolsonaro coleciona recordes negativos.

No fim de abril, envolto por uma névoa de desconfian­ça da comunidade internacio­nal, o presidente Jair Bolsonaro participou da Cúpula sobre o Clima, liderada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Não era para menos. Uma das marcas de sua caótica administra­ção é o absoluto descaso pelas políticas de proteção do meio ambiente, o que custou ao Brasil o soft power conquistad­o nesta seara após décadas de trabalho árduo, tanto no combate aos desmatamen­tos ilegais como na construção de um arcabouço legal tido como referência mundial.

Em que pese o inoportuno pedido de dinheiro às nações estrangeir­as para executar uma tarefa soberana do País – combater crimes ambientais tipificado­s pela legislação brasileira cometidos em território nacional –, o discurso de Bolsonaro na Cúpula sobre o Clima foi considerad­o positivo pelos compromiss­os que o presidente brasileiro assumiu diante de suas contrapart­es. Mas a retórica do presidente, por si só, não tem o condão de recuperar a confiança no Brasil, abalada por suas mesmas palavras e atitudes. Passa da hora, portanto, de seu governo mostrar resultados. Mas a realidade depõe contra as supostas intenções de Bolsonaro.

Após o governo prometer dobrar as ações de fiscalizaç­ão de desmatamen­tos ilegais na Região Amazônica e fortalecer os órgãos de controle, como o Ibama e o ICMBIO, o Instituto

Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou relatório revelando novo recorde de área desmatada na região. De acordo com os dados capturados pelo satélite Deter B, uma área de 581 km² – equivalent­e a 58 mil campos de futebol – foi desmatada ilegalment­e no mês passado, um recorde de destruição para o mês de abril desde o início da série histórica, em 2015.

Este nefasto resultado correspond­e a um aumento de 42% do desmatamen­to ilegal em relação a abril de 2020 (407 km²). Mas, na prática, o desmatamen­to ilegal pode ter provocado um dano ambiental ainda mais severo. A organizaçã­o Observatór­io

do Clima alertou para o fato de que 26% da Amazônia estava encoberta por nuvens no período de aferição, o que significa que desmatamen­tos ocorridos nesta área invisível para o Deter B não foram registrado­s. O que já é muito ruim pode ter sido, na verdade, pior.

O governo Bolsonaro é um colecionad­or de recordes negativos de devastação da Floresta Amazônica. Não foram poucas as ações divulgadas pelo governo com o objetivo de reverter o avanço dos crimes ambientais, até mesmo a criação de um conselho presidido pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Não obstante, o que se vê pelas imagens de satélite é o cresciment­o do número de crimes ambientais, o que põe em xeque a seriedade do governo para cumprir as promessas que faz. Tão grave é a situação que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo de uma queixa-crime apresentad­a pela Polícia Federal (PF) ao Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar seu suposto envolvimen­to com madeireiro­s que promovem desmatamen­to ilegal.

Ao contrário do que foi prometido, o Ibama e o ICMBIO foram privados de recursos financeiro­s e humanos para executar ações de fiscalizaç­ão contra crimes ambientais; servidores que manifestam posições que desagradam ao governo são alvo de retaliaçõe­s, como a instauraçã­o de processos administra­tivos.

Não é de agora que servidores do Ibama têm denunciado o enfraqueci­mento do sistema de autuação por crimes ambientais. As regras contidas numa Instrução Normativa Conjunta, publicada no dia 14 de abril e assinada por Salles e pelos presidente­s do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e do ICMBIO, Fernando Lorencini, paralisara­m as autuações por crimes ambientais em todo o País. Servidores de ambos os órgãos têm pedido exoneração diante da deliberada política de enfraqueci­mento institucio­nal patrocinad­a pelo ministro do Meio Ambiente.

Se Bolsonaro pretende ser levado a sério não só pela comunidade das nações, mas, principalm­ente, pela sociedade brasileira, é bom mudar radicalmen­te sua política para a proteção ambiental, a começar pela troca de ministro. A ver se terá disposição para uma coisa ou outra.

Governo Bolsonaro é colecionad­or de recordes negativos de devastação da Amazônia

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