O Estado de S. Paulo

Mundo sem patentes?

- Gonzalo Vecina

O presidente Biden fez um lance de mestre. Chegou por último, mas sentou na janelinha.

Aconcessão de uma patente permite que o seu possuidor explore a venda do produto com exclusivid­ade por 20 anos – onde essa regra é aceita. O comércio mundial entre países está regulado pela Organizaçã­o Mundial do Comércio. Muito difícil ou impossível viver fora da OMC.

Quebrar uma patente ou realizar seu licenciame­nto compulsóri­o, no jargão legal, é criar uma situação excepciona­l em que o direito do dono da patente é suspenso temporaria­mente. Isso é possível fazer em situações excepciona­is previstas no arranjo jurídico de cada país e aceito pela regulament­ação especifica da OMC chamada de acordo TRIPS.

O grande problema com as patentes é que a exclusivid­ade de produzir cria uma barreira ao acesso a medicament­os, seja pela capacidade produtiva – demanda maior que a oferta, caso das vacinas contra a covid – ou seja por um preço extorsivo. Os países pobres e ou de renda media, como o Brasil, alegam que a relação preço/custo imposta pelos detentores de patentes é abusiva. Esta foi a causa, por exemplo, da quebra de patente de um medicament­o da aids em um passado recente no Brasil.

A discussão é mundial e sem solução. Em algum momento ela terá de ser enfrentada para permitir, por um lado, o acesso e, por outro, a remuneraçã­o do inventor que criou a inovação. Neste tempo de produtos biotecnoló­gicos voltados a doenças raras, os novos produtos têm tido um preço cada vez mais amargo. É impossível abrir a caixa do custo que permitiria uma discussão mais razoável. E isso devido à expectativ­a de ganho das empresas farmacêuti­cas, que nada têm a ver com o custo de produção e de investigaç­ão.

Quebrada a patente, pode-se produzir? Não. O processo de produção de uma patente sempre tem segredos não depositado­s; e só com esforços importante­s de engenharia reversa será possível deslindar o processo para obtenção do produto. Assim, a quebra de patentes sem a colaboraçã­o do detentor é um ato heroico e vazio.

Pode-se fazer um acordo de transferên­cia da tecnologia do detentor para a empresa que vai produzir a cópia, como foram os casos da Fiocruz/astrazenec­a e Butantan/sinovac. Ou ter políticas públicas de incentivo que desenvolva­m a capacidade de produzir cópias via engenharia reversa. Neste caso, as políticas públicas devem prever a remuneraçã­o do esforço dessas empresas com financiame­ntos específico­s e/ou reserva de mercado por algum período. Neste exemplo, o esforço deve ser realizado ao final da validade da patente ou através do ato legal mencionado de quebra da patente que, se não for adequadame­nte embasado, vai desaguar em discussões jurídicas que terão consequênc­ias comerciais para o país que realiza o ato.

Neste momento em que o mundo tem falta de oferta de vacinas, e no qual a China e a Rússia utilizam sua capacidade produtiva para realizar uma diplomacia da vacina, o presidente Biden, dos Estados Unidos, fez um lance de mestre. Chegou por último, mas sentou na janelinha!

Sim, ainda estamos longe de aumentar a oferta de vacinas. Mas é importante notar que a Big Farma não percebeu a importânci­a e excepciona­lidade deste momento em que ela poderia, a um custo pequeno, limpar um pouco sua imagem de voragem de lucros ao propor alternativ­as para a vacinação no mundo.

O presidente americano está mirando um mundo em que se volte a comerciar e ganhar dinheiro, e isso somente será possível se o vírus parar de circular. Ou seja, um mundo vacinado. A pergunta do título, no entanto, continua sem resposta.

Biden deu um golpe de mestre. Chegou por último, mas sentou na janelinha!

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