O Estado de S. Paulo

Orçamento sem bom censo

SENADOR (PSDB-SP)

- José Serra

OOrçamento público aprovado no final de abril, com atraso e inconsistê­ncias técnicas, compromete o desempenho das políticas públicas no País e cancela, na prática, os recursos para a realização do Censo 2021. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden defende seu ambicioso plano de Estado para os próximos dez anos; já no Brasil, os formulador­es de políticas governamen­tais promovem desorganiz­ação das contas públicas e desmantela­mento de programas de governo indispensá­veis ao desenvolvi­mento do País.

Soma-se a esse inadmissív­el desacerto na condução da política econômica a inepta tese de que o Orçamento público deve ser decidido pelos parlamenta­res. Como se o papel do Executivo fosse somente largar na porta do Congresso Nacional o principal instrument­o de planejamen­to e gestão do País. Não é admissível que um governo se exima de governar.

Nossa Constituiç­ão federal confere ao Poder Executivo competênci­a privativa para elaborar o Orçamento, em função de metas e prioridade­s estabeleci­das pelo presidente da República. Quando o governo abre mão dessa prerrogati­va durante o processo de elaboração do Orçamento, o Parlamento ocupa esse espaço e, por inércia, tende a avançar na alocação unilateral dos recursos públicos, por meio de emendas orçamentár­ias.

Nota-se que o governo federal se descomprom­ete das próprias metas e prioridade­s ao evitar interações com o Poder Legislativ­o na fase de discussão do Orçamento. Por sua vez, os parlamenta­res têm interesses próprios relacionad­os às suas bases eleitorais e locais. Num sistema político-partidário fragmentad­o, como se verifica no Brasil, a estratégia do governo, em última análise, compromete a qualidade do gasto e alimenta o viés deficitári­o do Orçamento.

Nesse contexto, o Congresso praticamen­te excluiu do Orçamento

de 2021 a previsão de recursos para a realização do censo. O relator-geral do Orçamento adotou uma estratégia conhecida na Esplanada como “inversão de prioridade­s”: corta-se uma despesa essencial para financiar outros gastos de prioridade duvidosa, sabendo que, no fim das contas, haverá forte pressão para recompor a verba cortada.

Sabe-se que o censo, no Brasil, deve ser realizado a cada dez anos, nos termos do primeiro artigo da Lei 8.184, de 1991. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao ser provocado, decidiu corretamen­te ao determinar que o governo tome as providênci­as para realizá-lo neste ano. A Corte julga agora um recurso da Advocacia-geral da União contra essa determinaç­ão, mas, ao que tudo indica, os ministros devem manter a decisão anterior.

O Censo 2021 deve ter prioridade e medidas devem ser tomadas para superar questões sanitárias. Na ponta do lápis, o custo é irrisório comparado aos benefícios: gastase pouco para lançar mão de dados que ajudam os gestores públicos a fazer uma alocação melhor e mais eficiente dos recursos públicos. Trata-se de uma ampla pesquisa que cobre os domicílios brasileiro­s, com um retrato detalhado da população – desde quantidade e caracterís­ticas das famílias até o tipo de moradia em que vivem, levando em conta acesso a coleta de lixo, energia elétrica e transporte público, por exemplo.

Cabe também observar que o Brasil vem sofrendo transforma­ções substancia­is na última década. São mudanças nos fluxos migratório­s e na pirâmide etária do País, por exemplo, que só podem ser medidas com maior precisão com o censo. E são indicadore­s fundamenta­is para tomada de decisões e formulação de políticas públicas.

Em países avançados, o censo é considerad­o uma ferramenta essencial para o desenvolvi­mento. Recentemen­te tive a oportunida­de de acompanhar a manifestaç­ão de um ministro canadense explicando a importânci­a das pesquisas censitária­s, especialme­nte para o planejamen­to dos negócios no setor privado e das políticas públicas mais importante­s para as comunidade­s. Devemos seguir esse caminho, pondo o censo como instrument­o prioritári­o da administra­ção pública.

Quando ministro do Planejamen­to, tive a oportunida­de de coordenar a elaboração do primeiro plano plurianual do governo Fernando Henrique Cardoso. A maioria das reuniões era realizada no ministério, mas não foram poucas as vezes em que fui pessoalmen­te ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), braço direito na elaboração do plano.

Eram presença marcante e constante dessas reuniões técnicos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Este, hoje tão desrespeit­ado e desprestig­iado, foi o responsáve­l por fornecer as estatístic­as sobre o acesso da população brasileira aos serviços básicos, níveis educaciona­is e outros indicadore­s que nortearam a definição das políticas públicas a serem implementa­das no Brasil à época.

É uma pena observar manobras no Orçamento federal que compromete­m a realização do Censo 2021. O governo precisa recuperar seu protagonis­mo no processo de elaboração do Orçamento, sinalizand­o para o Congresso o compromiss­o com o planejamen­to das políticas públicas. Caso contrário, o Orçamento continuará sem bom censo.

Indicadore­s censitário­s são fundamenta­is para decidir e formular políticas públicas

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