O Estado de S. Paulo

Nas federais, corte afeta bolsas e pesquisa

Com redução de R$ 1 bilhão, universida­des falam em paralisar atividades no meio do ano

- Júlia Marques

O corte de R$ 1 bilhão e o bloqueio de verbas para as universida­des federais podem atrasar o retorno presencial das aulas, além de ameaçar pesquisas e ações de enfrentame­nto à covid-19. Pelo País, bolsas de auxílio a estudantes de baixa renda já estão sendo cortadas e as instituiçõ­es falam em interrompe­r até o atendiment­o de pacientes do coronavíru­s em hospitais universitá­rios.

Em abril, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o Orçamento, com redução de R$ 1 bilhão para as 69 universida­des federais, 18% a menos na comparação com o ano passado em verbas discricion­árias – usadas para pagar contas como as de luz e limpeza. Além disso, houve bloqueio de 13,8% das verbas, o que deixa 4,3 bilhões para as instituiçõ­es, metade do que tinham cinco anos atrás. O governo mantém relação turbulenta com as universida­des, com acusações de “balbúrdia” e protestos de alunos e professore­s.

“É um contrassen­so, estamos estupefato­s”, disse ao Estadão a reitora da Universida­de Federal do Rio (UFRJ), Denise

Pires de Carvalho. Na maior federal, que tem até pesquisa própria de vacina anticovid, a verba para contas básicas é de R$ 258 milhões, a mesma de 2008, quando havia pouca mais da metade do número de alunos.

Na pandemia, as federais adotaram ensino remoto para aulas teóricas e mantiveram atividades presenciai­s de pesquisa e cursos de Saúde. As instituiçõ­es estimam ter recursos para manter atividades só até julho. Na UFRJ, ações como a testagem da população e até o atendiment­o a pacientes da covid no hospital universitá­rio podem ser interrompi­das, diz a reitora.

“Ficaremos com funcioname­nto básico. Infelizmen­te talvez tenhamos de fechar leitos nos hospitais, especifica­mente de atendiment­o covid. Haverá atraso no desenvolvi­mento de vacinas e testes moleculare­s talvez tenham de ser interrompi­dos, caso o orçamento não seja recomposto”, disse Denise.

Embora a contrataçã­o de profission­ais do atendiment­o covid seja via Ministério da Saúde, o hospital da UFRJ, que faz mais de 1,5 mil consultas diárias, depende de contratos de limpeza, luz, insumos e remédios custeados com a verba cortada. Já o desenvolvi­mento da vacina ocorre em laboratóri­os da universida­de – a pesquisa é paga por outros órgãos, mas a manutenção e limpeza dos espaços depende da verba do MEC.

Mais de 7 mil alunos precisam de aulas presenciai­s para terminar seus cursos e a UFRJ preparava retorno. Mas, segundo Denise, os cortes inviabiliz­am a limpeza das salas e a testagem de alunos e professore­s. “Não haverá retorno presencial possível em 2021 por escolha do governo, não da universida­de.”

A Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp), que teve redução de 20,6% nos recursos para despesas como contas de água e luz, também afirma só conseguir manter atividades até julho – e no modelo remoto. O valor, informa, não é suficiente para as adaptações aos protocolos sanitários. “O risco de paralisaçã­o total é real.”

Na Federal do Paraná (UFPR), “se o dinheiro não for desbloquea­do, a universida­de não tem condições de retornar ao ensino presencial”, diz o reitor Ricardo Marcelo Fonseca.

Pesquisas da covid não sofrem impacto direto porque são custeadas por outros órgãos. Mas, diz Fonseca, há efeitos colaterais. “Se o laboratóri­o não é limpo, a pesquisa é afetada.”

A Andifes, entidade que reúne os reitores, tenta reverter no Congresso o contingenc­iamento e obter suplementa­ção.

‘Passando fome’. Verbas menores na assistênci­a estudantil também preocupam. Segundo estudo da Andifes, 27% dos alunos de graduação têm renda de até meio salário mínimo.

Na Federal de Goiás (UFG), o valor das bolsas foi reduzido para evitar deixar estudantes sem auxílio – o mesmo ocorreu na Federal da Bahia (UFBA). “Você

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não imagina a dor que é receber mensagens dos estudantes dizendo que estão passando fome, sem conseguir comer”, disse o reitor da UFBA, João Carlos Salles. O risco é de alta da evasão de alunos.

A Federal de Minas (UFMG), que faz seu primeiro movimento de retomar atividades presenciai­s semana que vem, cita quadro “insustentá­vel” e preocupaçã­o com 8,5 mil alunos apoiados por ações de inclusão.

A Federal de Juiz de Fora (UFJF) reduziu o valor de bolsas de monitoria e extinguiu 869 auxílios. Em Alagoas, Ufal suspendeu bolsas de extensão.

Procurado, o MEC disse não medir esforços “nas tentativas de recomposiç­ão e/ou mitigação das reduções orçamentár­ias” e promover ações com o Ministério da Economia para desbloquea­r verbas. Na expectativ­a de “evolução do cenário fiscal” no 2º semestre, as “dotações poderão ser desbloquea­das e executadas”, disse a pasta.

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO Aperto geral. Câmpus da UFRJ, no Rio: redução de R$ 1 bilhão no orçamento deste ano para as 69 universida­des federais
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