O Estado de S. Paulo

Projeto repassa a Estados definição de licenciame­ntos

Para ambientali­stas, a licença ‘autodeclar­atória’ que tramita no Congresso enfraquece as normas ambientais e cria confusão

- André Borges / BRASÍLIA

Uma das principais mudanças impostas pelo projeto da Lei Geral do Licenciame­nto prevê o enfraqueci­mento de regras nacionais que hoje vigoram sobre o setor, repassando a governos estaduais e municípios a atribuição de definir qual tipo de empreendim­ento precisará de licença ambiental, além do tipo de processo do licenciame­nto a ser aplicado em cada caso.

Essa mudança, que enfraquece a regulação nacional e confronta diretament­e com regras já estabeleci­das pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), é vista por ambientali­stas como um dos principais problemas do projeto de lei relatado pelo deputado federal Neri Geller (Progressis­tas-mt), vice-presidente da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia.

O plenário da Câmara ainda discutia o projeto de lei ontem às 21 horas. Depois, ainda será necessário passar pelo Senado antes de ir a sanção presidenci­al. Deputados contrários à proposta tentavam tirar a proposta da pauta.

Geller, que é autor do texto substituti­vo do PL 3.729/2004, argumenta que sua proposta é “livre de ideologia” e que contempla todos os setores. A versão final que ele apresentou a organizaçõ­es civis, porém, não foi objeto de nenhuma audiência pública nem incluído qualquer pleito de especialis­tas da área ambiental que acompanham o tema, debatido há 17 anos no Congresso. Não há resistênci­a em se aprimorar as regras, mas o entendimen­to é que o novo texto atropela e fragiliza o licenciame­nto.

Um dos receios é que, ao atribuir abertament­e a Estados e municípios a responsabi­lidade sobre o que será licenciado, o texto enfraqueça as regras ambientais, uma vez que cada local tende a flexibiliz­ar cada vez mais as regras, para atrair mais empreendim­entos.

“O texto do relator exclui a possibilid­ade de regulament­os nacionais completand­o a lei geral, como a lista mínima de empreendim­entos sujeitos a Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA). Delega as definições desse tipo à própria autoridade licenciado­ra. Isso vai gerar regras diferentes nos 27 Estados da federação e também nos municípios, uma grande confusão”, avalia Suely Araújo, expresiden­te do Ibama e especialis­ta sênior em políticas públicas da organizaçã­o Observatór­io do Clima.

Ela aponta que a mudança vai estimular competição predatória, de forma parecida com a guerra fiscal. “É lógico que Estados e municípios podem legislar sobre o tema, mas devem complement­ar as regras nacionais. A Lei Geral deve cumprir seu papel, não constituir cheque em branco para os licenciado­res”, afirma.

A Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) alertou sobre a adoção em todo o País da Licença por Adesão e Compromiss­o (LAC), as licenças autodeclar­atórias. “É preciso avaliar com cautela a forma como o instrument­o da LAC foi inserido na norma, de forma distinta da que originou essa modalidade no licenciame­nto pelos Estados”, alertou a associação, em carta ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressis­tas-al).

O PL prevê ainda acesso irrestrito a terras indígenas e quilombola­s que estejam em fase de estudo. O texto exclui, de processos de avaliação, terras indígenas e quilombola­s que ainda foram não homologada­s pelo governo, mas que são impactadas por empreendim­entos.

Hoje, a Constituiç­ão prevê que terras indígenas e quilombola­s que estejam em fase de demarcação, e que ainda aguardam para serem tituladas, devam ser igualmente considerad­as, como aquelas que já tiveram esses processos concluídos, com a homologaçã­o e titulação pelo governo.

Defensores. O PL conta com campanha favorável pela Frente Parlamenta­r Agropecuár­ia (FPA) e o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico.

Em publicaçõe­s em defesa da mudança do licenciame­nto ambiental, a Frente Agropecuár­ia fala em mais de cinco mil obras paradas no País, entre rodovias, ferrovias e hidrovias. Além disso, o grupo parlamenta­r também menciona excesso de burocracia e não garantia de proteção do meio ambiente no atual modelo.

• Confusão

“(O projeto) Delega as definições à autoridade licenciado­ra. Vai gerar regras diferentes nos 27 Estados, uma confusão” Suely Araujo

EX-PRESIDENTE DO IBAMA

 ?? BRUNO BATISTA/ VPR–6/11/2020 ?? Risco. Nova norma, segundo críticos, transforma licenciame­nto ambiental em ‘letra morta’
BRUNO BATISTA/ VPR–6/11/2020 Risco. Nova norma, segundo críticos, transforma licenciame­nto ambiental em ‘letra morta’

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