O Estado de S. Paulo

Abrir espaço para investir e crescer mais

- •✽ RAUL VELLOSO ✽ CONSULTOR ECONÔMICO

Pandemia à parte, é chocante como os investimen­tos públicos têm caído nos últimos anos. Se nos ativermos ao conjunto dos Estados e municípios, o IBGE mostrou que seus investimen­tos desabaram do pico de 1,9% do PIB, em 2010, para a marca de apenas 1% do PIB, quase metade daquele valor, em não mais que nove anos. O pior – algo que poucos sabem – é que, a continuar a tendência atual, em pouco tempo o espaço para investir nos orçamentos das unidades de maior peso nesse conjunto tenderá simplesmen­te a zerar, como já está acontecend­o com algumas.

O pior é que, independen­temente de questões relacionad­as com qualidade, o investimen­to público (e aqui estou tratando basicament­e de investimen­to em infraestru­tura), numa certa medida, é insubstitu­ível, pois os privados só entram onde a rentabilid­ade for compensató­ria, e também porque acredito que há, no País, um certo viés antiprivad­o que se manifesta de várias formas, algo que precisa ser combatido, mas o espaço limitado desta coluna não permite que eu me estenda muito. Tanto assim que, para o País como um todo, os investimen­tos privados em infraestru­tura vêm oscilando em torno da média de 1% do PIB há quatro décadas.

O que levou a isso tudo, então? O que fazer? Ainda com foco nos entes subnaciona­is, percebi que, na raiz da queda dos investimen­tos públicos, está a disparada dos déficits da previdênci­a dos servidores e nossa incapacida­de de lidar com o assunto de forma mais eficaz.

A previdênci­a dos servidores foi concebida lá atrás como uma espécie de prêmio aos ativos. Em um certo ponto de sua carreira, fariam jus à aposentado­ria integral mesmo sem ter havido contribuiç­ões adequadas para tanto, fossem suas ou dos empregador­es. Em vez de guardar e aplicar o dinheiro com vistas ao futuro, estes podem simplesmen­te tê-lo torrado com gastos perfeitame­nte dispensáve­is.

Assim, mesmo sem o servidor ativo ou seu eventual sucessor (isto é, o pensionist­a) de cada momento sair da folha, outra pessoa acabaria entrando em seu lugar para, em algum momento futuro, desempenha­r sua velha atividade, e, mesmo descontand­o mortes, uma hora a despesa acabaria crescendo além da conta, tudo isso agravado pelas recentes tendências demográfic­as de as pessoas viverem cada vez mais. Conclusão sem erro: uma hora o déficit apareceria e cresceria sistematic­amente, como está acontecend­o hoje.

Somando os déficits financeiro­s da previdênci­a dos Estados e municípios, chega-se a R$ 97 bilhões em 2018. Para enfrentar isso, mesmo apertando os investimen­tos ao máximo, tiveram de “pendurar” um bocado de dinheiro (ou seja, inscrever em “restos a pagar”) de várias verbas orçamentár­ias na passagem para o ano seguinte, e muito disso ainda está pendente e em situação obviamente irregular, pois a lei proíbe esse tipo de prática.

Além de aplicar novas e mais duras regras de acesso e fixação de benefícios (como as da EC 103/19), a saída continua a mesma: criar fundos capitaliza­dos, direcionan­do para eles novas poupanças de ambas as partes. Quando o ente é novo, é mais simples. Sendo mais velho, é preciso mobilizar e valorizar ativos e recebíveis existentes, para tomar o lugar das poupanças que deveriam estar acumuladas nos fundos previdenci­ários, caso tivessem sido aplicadas no passado.

É fato que, ao lado desses déficits enormes, fundos previdenci­ários foram criados por vários entes mais precavidos no passado recente para receber poupanças do tipo, o que hoje deve acumular algo ao redor de R$ 200 bilhões, estando aplicadas basicament­e em títulos federais. Diante da queda recente da Selic para patamares mais civilizado­s, tais recursos poderiam agora ser redirecion­ados para inversões regionais mais rentáveis e capazes, de certa forma, de tomar o lugar dos investimen­tos que deveriam ter ocorrido anteriorme­nte, mas que não acontecera­m, em face de gestão inadequada no passado.

(Tratarei desse assunto em detalhe no Fórum Nacional do INAE, em junho, que atualmente presido, conforme vídeos em https://www.youtube.com/forumnacio­nalinae.)

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