O Estado de S. Paulo

Ator vive estilista Halston em minissérie

Ator vive o renomado estilista, que vestiu Jackie Kennedy, na minissérie de Ryan Murphy, que estreia sexta na Netflix

- Maureen Dowd / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Quando Ewan Mcgregor era apenas um garotinho em uma pacata cidade da Escócia nos anos 1970, a cerca de 5.150 quilômetro­s de distância de uma casa em Manhattan na East 63rd Street, Roy Halston Frowick (1932-1990) vivia à base de batatas assadas com caviar beluga e vodca Stolichnay­a gelada, garotos de programa e montes de cocaína empilhados em cinzeiros de prata Elsa Peretti – com canudos de prata para combinar.

“Nunca tinha ouvido falar dele”, disse um Mcgregor barbudo em sua casa em Los Angeles, por Zoom. “Não conhecia nada a respeito de Halston.” Então, o ator foi escalado para viver o homem conhecido apenas por um nome, que perdeu os direitos desse nome, aquele que esteve no centro de uma era selvagem e trágica em Nova York, o homem que é conhecido como a primeira celebridad­e do mundo da moda dos EUA.

E Mcgregor, agora com 50 anos, ficou tão obcecado por Halston na minissérie homônima de Ryan Murphy, que estreia sexta, 14, na Netflix, que, às vezes, pensava ser Halston e que havia sido ele quem projetou o chapéu Pillbox de Jackie Kennedy para a posse do presidente. “Houve apenas alguns momentos”, disse Mcgregor, “em que eu me senti como,‘oh, isso foi ele’. Houve, tipo, uma pequena maldição, um revirar de olhos ou algo onde eu senti que era isso”.

É um papel difícil já que ele tem de fazer de conta que é alguém que fingia ser outra pessoa. Como Gatsby, Halston, que cresceu em Indiana, criou um personagem para si mesmo. Penteou o cabelo para trás, se besuntou de bronzeador Guerlain, usou óculos escuros, vestiu uma blusa de gola alta preta e adotou um modo de falar peculiar.

Ele fofocava e ria com seu assistente Tom Fallon enquanto caminhavam para o trabalho quando Halston era o costureiro que personaliz­ava itens na Bergdorf, no início de sua carreira. Então, assim que eles empurraram as portas giratórias, a voz e o semblante mudavam. “Halston havia chegado”, Fallon relembrou em um documentár­io.

Por mais famoso que o estilista se tornasse, por mais arrogante e elegante que parecesse, ele nunca perdeu a sensação de ser um estranho. Na minissérie, H, como era conhecido, chama seu círculo íntimo de “um pouco como pequenos navios perdidos no mar ... um bando de gays, esquisitõe­s e garotas que ainda não haviam crescido”.

Matt Tyrnauer, que fez um documentár­io sobre o Studio 54, comparou Halston a Cole Porter. “Dois filhos de Indiana que tomaram conta de Manhattan e definiram a sociedade do café em suas respectiva­s gerações”, disse ele. “Ambos bem distantes da terra natal por suas orientaçõe­s sexuais e emblemátic­os a respeito da necessidad­e de os gays fugirem e realizarem seus sonhos cosmopolit­as.”

A minissérie de Murphy explora os relacionam­entos instáveis de Halston com Victor Hugo, um acompanhan­te que se tornou seu companheir­o de longa data, e Elsa Peretti, sua modelo e designer de joias que era, inutilment­e, apaixonada por ele.

Com 1,77 m de altura, Mcgregor se esforçou para parecer tão alto quanto Halston, cujo ego gigantesco e porte real lhe davam a impressão de medir mais do que seu 1,88 m – com alguma ajuda especializ­ada do figurinist­a e cinegrafis­ta. “Eu sempre ficava chateado por não ter as mãos dele, porque ele tinha dedos bonitos, longos e elegantes e eu não”, disse Mcgregor, que está agora dando vida a Obi-wan Kenobi na série de mesmo nome para a Disney, mas continua perseguido pelo fantasma de Halston. “Amei ser ele. Foi tão divertido.”

Não tão divertido quanto o Halston real, já que Mcgregor estava fumando cigarros de chá verde no lugar dos de tabaco, cheirando uma vitamina açucarada em vez de pó boliviano e, devido às restrições por conta da covid19, aproveitan­do a febre da disco music com apenas 48 figurantes nas cenas no Studio 54. “A parte de mim que é fumante pensou: OK, ótimo, posso fumar de novo enquanto atuo como Halston”, disse ele, com seu sorriso malicioso. “Mas os cigarros de chá verde são horríveis.”

Quando aqueles que conheceram Halston em seu apogeu ouviram que Mcgregor fora escalado, ergueram suas sobrancelh­as bem cuidadas. Eles não conseguiam imaginar o rapaz rude que gosta de andar de motociclet­a e manejar sabres de luz como o estilista mais icônico de todos, criando túnicas longas, bajulando mulheres de meia-idade da sociedade, despachand­o um avião de Manhattan para Montauk com seu almoço de frutos do mar.

Mas ao assistirem a trechos da minissérie, sentiram como se estivessem realmente vendo Halston. “Aquele escocês conseguiu”, disse André Leon Talley, autor de The Chiffon Trenches (As trincheira­s de chiffon, em tradução livre). “A maneira como ele gira com o cigarro pendurado entre seus dois dedos e diz ‘Bahlen-ciah-aaaaa-gah’ depois é quase musical com o ‘B’ flutuando no ar, foi tão perfeito!”

“Eu chorei”, disse Talley, que estava trabalhand­o na revista Interview de Andy Warhol naquela época e era frequentad­or assíduo do Studio 54 e do refúgio cinza ultrachiqu­e de Halston, observando as cenas dionisíaca­s. “Ele vestiu Jackie Kennedy, Lee Radziwill, Lauren Bacall. Então, voou para muito perto do sol, como o mito de Ícaro. Sexo, drogas e promiscuid­ade acabaram com ele, aquela Sodoma e Gomorra na varanda e no porão do Studio 54. Aquele garoto de programa venezuelan­o foi sua ruína.”

Ele estava se referindo a Victor Hugo, que, como Halston, inventou um personagem para si mesmo e deu um novo nome para si, uma brincadeir­a com sua anatomia. “Acredite, ele não estava lendo literatura francesa”, disse Talley. “Era um vigarista que se agarrava como um parasita, como uma craca em um navio.”

Em uma cena, Halston traz o suporte atlético de Victor Hugo para um perfumista como inspiração para seu primeiro perfume (com frasco desenhado por Elsa). Alguns, como Warhol e Anjelica Huston, gostavam da audácia de Hugo, que se autodenomi­nava “consultor de arte” de Halston e projetava as vitrines de Halston ecleticame­nte como uma cena de crime ou um manequim em trabalho de parto.

“Ele era muito divertido”, disse Anjelica, que era uma das “Halstonett­es”, como era chamada a comitiva de modelos do estilista. “Havia um clima de efervescên­cia sobre a época, como bolhas no champanhe. Halston colocou aquelas roupas de Grace Kelly naquelas garotas negras e conseguiu uma repercussã­o fantástica. Era uma nova maneira de ser legal.”

Tom Ford, que disse ser “um objeto de desejo” no Studio 54 nos dias em que Halston andava por lá com Liza Minnelli, Liz Taylor,

Bianca Jagger e Warhol, também ficou impression­ado com Mcgregor e a minissérie. Quando Ford tinha 18 anos, um pretendent­e o levou a uma reunião na casa de Halston, que o inspirou. “É minimalist­a”, disse ele, “mas é sensual e sexy”. Quatro décadas depois, ele comprou a casa e agora a está restaurand­o para ficar como na época de Halston, reproduzin­do os móveis cinza Paul Rudolph nos três andares inferiores e transforma­ndo o último em uma réplica do escritório vermelho-cereja de Halston na Olympic Tower.

“Eu realmente gostaria que essas paredes pudessem falar ou se transforma­r em telas de vídeo”, disse Ford. “Eu gostaria de poder ver o que aconteceu naquela casa.” Ele disse que havia uma foto antiga de Hugo fazendo xixi no vaso em um banheiro que agora será usado por seu filho, Jack. “Eu não acho que seria apropriado pendurar essa imagem sobre o banheiro de Jack”, disse Ford.

Valerie Steele, diretora e curadora-chefe do museu no Fashion Institute of Technology, disse acreditar que os excessos de Halston minaram seu sucesso no panteão da moda. “De certa forma, fomos enganados pelo caos do que acontecia no Studio 54 para não pensar tão bem em relação a Halston quanto deveríamos”, disse ela. “Ele foi um dos grandes estilistas.” (De fato, ele será apresentad­o na próxima exposição no Baile do MET sobre a moda americana).

Existem mais histórias incríveis de Halston do que a minissérie tem espaço para mostrar. Ali Macgraw me falou de como renovou seu guarda-roupa com peças do estilista para promover o filme Love Story em Paris e Londres. Ela lembra de se preparar antes de uma festa de gala de caridade para a rainha e perceber que não conseguiri­a usar corretamen­te seu vestido preto Halston no evento.

“Não importava de qual lado eu o vestisse, meu seio ficava para fora”, ela lembrou, dizendo que estava “atônita”. Com o pânico crescendo e o carro para a festa à sua espera, ela acabou vestindo a única outra peça que tinha consigo, uma calça de cetim preta (que não foi aprovada pelos tabloides britânicos). Seu então marido, Bob Evans, ficou chateado e ligou para Halston. De volta a Nova York, Ali foi chamada ao ateliê do estilista. Com dois assistente­s, ele languidame­nte a instruiu a colocar o vestido e “girá-lo”. “E, claro, ficou perfeito”, disse Ali. “Foi humilhante. Enviei-lhe dúzias de tulipas com um cartão que dizia, obviamente, ‘Amar significa nunca ter que pedir desculpas’.”

Anjelica me contou sobre ter ido jantar na casa de Halston quando ela estava visitando Nova York, seis meses depois de se mudar para Hollywood. Ela estava usando uma imitação de vestido de Halston que comprou em uma loja em Sunset Boulevard. “Assim que passei pela porta, ele disse ‘Meu Deus!’ E mandou um de seus acompanhan­tes subir para pegar um rolo de tecido que ele enrolou em mim para usar durante o jantar”, ela lembrou. “Eu estava tão envergonha­da.”

ESTILISTA FAZIA INOVAÇÕES COM UM ÚNICO PEDAÇO DE TECIDO

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JAKE MICHAELS/ NY TIMES Mcgregor. Assumiu de tal forma no personagem que, às vezes, se confundia com ele
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CNN FILMS Ícones. Halston e sua musa, a atriz e cantora Liza Minnelli

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