O Estado de S. Paulo

Depoimento da Pfizer na CPI reforça suspeita de ‘gabinete paralelo’

Carlos Bolsonaro e dois assessores do presidente participar­am de reuniões sobre vacina

- Lauriberto Pompeu Adriana Ferraz / BRASÍLIA

Em depoimento à CPI da Covid, o presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, disse que o vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ), o assessor da Presidênci­a para Assuntos Internacio­nais Filipe Martins e o ex-secretário de Comunicaçã­o Fábio Wajngarten participar­am de reunião, em 2020, para tratar da compra de imunizante­s. A informação reforçou a suspeita de senadores de que Jair Bolsonaro

tinha um gabinete paralelo de aconselham­ento para tomar decisões sobre a condução da crise do coronavíru­s. Esse núcleo de consultori­a defende o tratamento precoce com cloroquina. O governo firmou contrato com a Pfizer há dois meses. Presidente da empresa no Brasil à época das negociaçõe­s, Murillo disse ter feito nove propostas de venda de vacinas em cinco datas, mas só a décima foi aceita.

O depoimento prestado à CPI da Covid pelo presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, reforçou a suspeita de senadores de que o presidente Jair Bolsonaro recorria a um gabinete paralelo de aconselham­ento para tomar decisões sobre a condução da crise do coronavíru­s. Ao destacar ontem as nove ofertas de doses da vacina encaminhad­as pela Pfizer, Murillo disse que o vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ), o assessor da Presidênci­a para Assuntos Internacio­nais, Filipe Martins, e o ex-secretário de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a, Fábio Wajngarten, participar­am de reunião, no ano passado, para tratar da compra de imunizante­s.

O núcleo de consultori­a de Bolsonaro, defensor de tratamento precoce com cloroquina – medicament­o sem eficácia comprovada – e crítico do lockdown atuou de forma paralela ao Ministério da Saúde, que só firmou contrato com a Pfizer em março. Então presidente da empresa no Brasil à época das negociaçõe­s, Murillo calculou ter feito nove propostas diferentes ao Brasil, em cinco datas, mas só a décima foi aceita.

Durante três meses – de agosto a novembro –, os contatos da farmacêuti­ca foram ignorados pelo governo brasileiro. O CEO da Pfizer, Albert Bourla, chegou a enviar uma carta a Bolsonaro e a várias autoridade­s brasileira­s no dia 12 de setembro, mas não obteve resposta.

Ao ser questionad­o pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSDAM), o executivo afirmou que, se o primeiro contrato com a Pfizer tivesse sido aceito, em agosto do ano passado, o País teria um total de 18 milhões de doses até junho, 4 milhões a mais do que o previsto no atual contrato. Somente em agosto, a Pfizer apresentou duas ofertas, uma de 30 milhões de doses e outra de 70 milhões.

Murillo confirmou aos senadores parte do que Wajngarten havia dito em depoimento no dia anterior. Ele relatou que, após meses tentando sem sucesso se comunicar com o governo, o ex-secretário de Comunicaçã­o da Presidênci­a procurou a Pfizer. Durante reunião realizada no Palácio do Planalto, em novembro, Wajngarten tratava da compra de vacinas com duas representa­ntes do departamen­to jurídico da empresa quando precisou sair da sala.

“Após aproximada­mente uma hora de reunião, Fábio recebe uma ligação, sai da sala e retorna para a reunião. Minutos depois, entra na sala da reunião Filipe Garcia Martins, assessor de Assuntos Internacio­nais da Presidênci­a da República, e Carlos Bolsonaro. Fábio explicou para Filipe e Carlos Bolsonaro os esclarecim­entos prestados pela Pfizer”, relatou Murillo. Ele não estava presente, mas disse ter confirmado todos os detalhes com os representa­ntes da companhia.

A existência de um gabinete paralelo ao Ministério da Saúde no aconselham­ento do presidente já havia sido apontada pelos ex-ministros Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta em depoimento­s à CPI, na semana passada. Além de Carlos Bolsonaro e Filipe Martins, são conselheir­os de Bolsonaro nessa área o deputado e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra (MDBRS), a médica Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina, e o tenente Luciano Dias Azevedo, pós-graduado em Medicina.

“Ele (Bolsonaro) tinha esse assessoram­ento paralelo”, disse Mandetta em depoimento à CPI, há dez dias. Na ocasião, o ex-ministro contou que Bolsonaro foi orientado a editar um decreto para mudar a bula da cloroquina e incluí-la como indicação para tratamento de covid.

Para o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), está “evidente” que Bolsonaro sempre teve um assessoram­ento “negacionis­ta” na condução da crise sanitária. “Vários depoentes atestaram isso à CPI”.

‘Palhaçada’. Em visita a Maceió (AL), ontem, Bolsonaro chamou Renan de “falastrão”. Na terra do senador, o presidente citou o depoimento de Murillo à CPI. “Acabou a palhaçada, acabou a narrativa sobre a compra ou não da vacina Pfizer no ano passado. Fechamos o contrato, há pouco com a Pfizer: em vez de ser o total de 70 milhões, fechamos em 100 milhões”, afirmou.

“É o tempo todo o pessoal enchendo ‘Cadê a vacina?’. Eu já respondi ano passado. Até perdi a paciência, porque são vidas humanas em jogo. Tirando os países que produzem, o Brasil está em primeiro lugar. Hoje é o quarto país que mais vacina no mundo”, afirmou. Bolsonaro disse que não podia assinar contrato com a Pfizer no ano passado porque havia “muita incerteza jurídica”.

Pelo Twitter, Carlos saiu em defesa do pai. “A todo custo tentam impedir um filho de ficar próximo do pai. Por que se sentem tão incomodado­s? Sei que existem pessoas que não gostam dos seus e outros “forçam” você a não gostar do seu”, escreveu. Procurado, Filipe Martins não se manifestou.

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ADRIANO MACHADO/REUTERS Imunizante. Carlos Murillo, presidente da Pfizer na América Latina; CEO citou nove ofertas de vacinas enviadas ao governo

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