O Estado de S. Paulo

Câmara alivia controle sobre licenciame­nto ambiental

- Emilio Sant’Anna André Borges / BRASÍLIA

A Câmara aprovou a nova Lei Geral do Licenciame­nto Ambiental, que deve acelerar a autorizaçã­o de obras com possíveis impactos no meio ambiente. Segundo o texto, que vai agora ao Senado, empreendim­entos como a barragem de Brumadinho (MG) poderiam obter o aval para operar com uma autodeclar­ação de cumpriment­o das normas ambientais.

Ambiente. Projeto, que ainda passará pelo Senado, deve acelerar aval para obras com possíveis impactos ambientais, mas especialis­tas veem inseguranç­as jurídicas e econômicas; texto transfere responsabi­lidades a Estados e prevê autodeclar­ação por empreended­ores

Comemorada por parlamenta­res da bancada da agropecuár­ia, a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto da nova Lei Geral do Licenciame­nto Ambiental na madrugada de ontem deve acelerar a autorizaçã­o de obras com possíveis impactos ao meio ambiente. Mas inseguranç­as jurídicas, econômicas e ambientais devem ser criadas em ritmo semelhante, se o texto for aprovado – ainda precisa passar pelo Senado, antes da sanção presencial.

Segundo a proposta, empreendim­entos como a barragem de Brumadinho (MG) poderiam obter o aval para operar com uma autodeclar­ação de cumpriment­o das normas ambientais. O rompimento da estrutura de rejeitos de minério em janeiro de 2019 de ferro deixou 270 mortos.

Considerad­a de médio risco pela legislação em vigor, o empreendim­ento da mineradora Vale poderia operar hoje sem passar por análise prévia, explica Maurício Guetta, consultor Jurídico do Instituto Socioambie­ntal (ISA). Isso significa que a liberação ocorreria sem a análise prévia dos órgãos competente­s, mas apenas com a declaração de dados e documentos de forma online. Esse modelo é chamado de Licença Ambiental por Adesão e Compromiss­o (LAC).

A nova lei traz ainda outras mudanças, como a dispensa de licença para projetos como manutenção em estradas e portos, obras de saneamento básico, distribuiç­ão de energia elétrica com baixa tensão, parte das atividades agropecuár­ias, entre outros. Outras alterações incluem dar aos Estados a prerrogati­va para analisar os empreendim­entos que precisam de aval para liberação e classifica­r o risco envolvido, a unificação de etapas do licenciame­nto, além da criação da licença autodeclar­atória.

O novo texto exime empreendim­entos de baixo e médio risco da análise prévia. A estes, o aval será emitido após o preenchime­nto de requerimen­to em que declaram e se compromete­m a seguir os parâmetros de segurança e ambientais. Outra obra que não precisaria de Estudo de Impacto Ambiental (EIARima) seria a duplicação da Rodovia dos Tamoios, em São Paulo. Como a via já opera com aval, sua duplicação dispensari­a novo levantamen­to de impactos.

Com maioria na Casa, parlamenta­res ligados ao agronegóci­o aprovaram o texto substituti­vo do Projeto de Lei 3.729, de 2004, relatado pelo deputado federal Neri Geller (Progressis­tas-MT), vice-presidente da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia. Votaram a favor 300 deputados, ante 122 contrários.

O texto final foi encaminhad­o ao plenário sem passar por audiência pública. Não houve espaço para acatar nenhuma recomendaç­ão da ala ambiental. Centenas de organizaçõ­es ambientais, especialis­tas e parlamenta­res se mobilizara­m para tentar demover o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressis­tas-AL), de votar a proposta, o que não funcionou. Durante a votação, Geller disse ter chegado a um texto “equilibrad­o”.

Ao longo da tramitação do projeto, a Frente Agropecuár­ia argumentou que o modelo atual é excessivam­ente burocrátic­o e prejudicav­a a atração de investimen­tos para o País. Disse ainda que o licenciame­nto ambiental é responsáve­l pela paralisaçã­o de mais de 5 mil obras no País, entre rodovias, ferrovias e hidrovias.

Levantamen­to do Tribunal de Contas da União (TCU), porém, mostrou que o licenciame­nto ambiental não respondia por mais do que 1% das obras paradas no Brasil. De mais de 30 mil obras públicas financiada­s com verba federal, menos de 200 projetos tinham paralisaçõ­es ligadas a dificuldad­es de obter licenciame­nto.

Riscos. Especialis­tas em direito, políticas públicas e meio ambiente ouvidos pelo Estadão consideram que as consequênc­ias negativas podem se fazer sentir até mesmo antes dos possíveis benefícios que uma maior agilidade na emissão das licenças possa trazer ao setor produtivo. Para Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, o País retrocede aos parâmetros ambientais que norteavam os grandes empreendim­entos nos anos 1970, na ditadura militar.

“A nova lei diz que há dispensa de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) quando já há estudos em empreendim­entos similares”, diz. “No caso do Rodoanel, na Grande São Paulo, que teve um por trecho construído e mesmo assim a obra causou problemas no Trecho Norte, bastaria apenas um.”

Especialis­tas preveem ações judiciais, com desdobrame­ntos no Supremo Tribunal Federal (STF), diante de possíveis inconstitu­cionalidad­es e descumprim­entos de normas ambientais. “Um prefeito que se sentir afetado sempre vai poder recorrer à Justiça para anular a licença concedida pelo Estado”,diz Malu, do SOS Mata Atlântica. “Mesmo para o investidor é uma situação de inseguranç­a. Quem vai colocar seu dinheiro em um projeto que pode ir parar na Justiça ou que mais para frente pode ter suas regras alteradas?”, indaga ela.

“O mundo debatendo a retomada econômica lastreada em perspectiv­a orientada para as questões ambientais e climáticas e a Câmara optando pelo retrocesso”, critica Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialis­ta sênior em políticas públicas da organizaçã­o Observatór­io do Clima.

“O mundo debatendo a retomada econômica lastreada em perspectiv­a orientada para as questões ambientais e climáticas e a Câmara optando pelo retrocesso.”

Suely Araújo

EX-PRESIDENTE DO IBAMA E ESPECIALIS­TA SÊNIOR EM POLÍTICAS PÚBLICAS DA ORGANIZAÇíO OBSERVATÓR­IO DO CLIMA

 ?? PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS ?? Na Câmara. Sem passar por audiência pública, o texto, apoiado pelo agronegóci­o, teve 300 votos a favor e 122 contrários; mobilizaçã­o não evitou análise
PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS Na Câmara. Sem passar por audiência pública, o texto, apoiado pelo agronegóci­o, teve 300 votos a favor e 122 contrários; mobilizaçã­o não evitou análise

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