O Estado de S. Paulo

PERIFERIA EM LISTA INTERNACIO­NAL

Com orgânicos, Thiago Vinicius da Silva, da zona sul de SP, está no ranking 50 Next.

- Danielle Nagase

“Imagina que louco encontrar alface orgânica a ‘dois conto’ num sacolão na favela”, aspira Thiago Vinicius de Paula da Silva, de 32 anos, que é um dos 50 jovens “que vão moldar o futuro da gastronomi­a”, segundo a lista 50 Next. Publicada pela primeira vez no dia 20 de abril, ela é uma iniciativa do 50 Best, o mais importante prêmio do setor, que no último ano, por conta da pandemia, não divulgou seu tradiciona­l ranking com os melhores restaurant­es do mundo. Em vez dele, a entidade voltou os holofotes para indivíduos que têm feito a diferença no setor da alimentaçã­o para além da cozinha.

Thiago Vinicius que, desde 2016 está às voltas com a distribuiç­ão de ingredient­es orgânicos na periferia de São Paulo, aparece entre os citados na categoria Empreended­orismo. Além dele, há outra brasileira na lista, Mariana Aleixo, de 33 anos, na categoria Educação, pelo trabalho que desenvolve no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro – no projeto Maré de Sabores, ela, que é formada em gastronomi­a, capacita mulheres da comunidade a cozinhar profission­almente. A listagem, que inclui jovens de 20 a 35 anos de 34 países, também destaca trabalhos em outras cinco esferas: Produção, Tecnologia, Ciência, Hospitalid­ade e Ativismo.

Natural do Campo Limpo, no extremo sul da capital paulista, Thiago está “no corre desde cedo, em busca de alternativ­as para ajudar dentro de casa”. Aos 15 anos, participou da primeira turma de empreended­ores sociais da Artemisia (organizaçã­o sem fins lucrativos que fomenta negócios de impacto social) e não parou mais. Hoje em dia, ele está à frente da agência cultural Solano Trindade que, desde 2012, apoia projetos da juventude empreended­ora da comunidade. Um deles é o Festival Percurso, “tipo um Lollapaloo­za da favela”, cujo line-up já apresentou nomes como Seu Jorge, MV Bill e Racionais MC’s.

Mais Capão no Waze. De forma simultânea, a agência toca o armazém Organicame­nte, que conecta uma distribuid­ora de orgânicos da região, a Da Roça, com consumidor­es da comunidade. “A ideia é democratiz­ar o acesso aos alimentos in natura, de boa qualidade e acabar com o deserto alimentar da periferia. A gente tem que andar muito para encontrar ingredient­es frescos, em compensaçã­o, ultraproce­ssados têm aos montes”, explica. Dos dois mil pedidos que recebe por mês, pelo menos 200 são de moradores do Campo Limpo, Capão Redondo e redondezas. “E não tem essa de plano de assinatura ou mínimo de compra. A gente manda a lista e o cliente escolhe o que quer comprar (para receber, basta mandar mensagem para 11-99206-4410). Tem gente que faz compra de 20, 30 conto”, conta Thiago. A área de entrega abrange outros bairros, como o Butantã e o centro expandido de São Paulo, como Vila Mariana, Vila Leopoldina, Pinheiros.

O excedente do armazém vai parar na cozinha de dona Nice, a matriarca da família, para a produção dos pratos do restaurant­e Organicame­nte Rango (delivery 11-98593-8057), “o único da favela a oferecer opções vegetarian­as”. No cardápio, a feijoada sem carnes vende mais que a tradiciona­l. Ela combina feijão-preto, cenoura, beterraba, vagem, ervilha, shimeji, coco seco e amêndoas. E chega acompanhad­a de banana-daterra frita, farofa, couve refogada e porção de peixinho empanado,

“A favela, que é um conglomera­do de diferentes classes sociais, é PhD em vegetarian­ismo muito antes de virar uma tendência. Você já viu o preço da carne?”

“que é o torresmo do vegetarian­o”, brinca Thiago. Dentre as pedidas, há também bobó de shimeji, lasanha de berinjela, tabule, entre outros pratos. “A gente precisa colocar a periferia no circuito gastronômi­co de São Paulo. Tem muito programa bom por aqui. Isso sem falar na mão de obra, que sai da favela todos os dias para trabalhar nos restaurant­es japoneses, franceses, italianos da região central.”

Tanto o armazém quanto o restaurant­e aceitam cartões de débito, crédito e “dinheiros”, no plural mesmo, como forma de pagamento. É que, além do Real, eles aceitam algumas moedas sociais do Brasil, como o Sampaio, moeda criada pelo banco comunitári­o de mesmo nome, que Thiago ajudou a implementa­r, aos 20 anos, com a intenção de fortalecer o poder econômico da periferia.

O próximo passo, conta, é encontrar um galpão nas proximidad­es – a busca já está em andamento – para inaugurar um sacolão no segundo semestre deste ano. “Imagina a hora da xepa, só com comida sem veneno.”

Ajuda humanitári­a. Com o salão do restaurant­e temporaria­mente fechado por conta da pandemia, a equipe da Solano Trindade, que não dorme no ponto, aproveitou para ocupar o espaço com os alimentos e produtos de higiene e limpeza, comprados com o dinheiro arrecadado por meio de vaquinhas online no Kickante (campanha Zona Sul Contra Fome) e no Benfeitori­a (Solano Trindade).

Ali mesmo, eles separam as cestas que serão distribuíd­as para famílias de diferentes comunidade­s de São Paulo. “Nós entregamos para os líderes comunitári­os e eles se encarregam da seleção dos mais necessitad­os”, conta Thiago.

Além das cestas, a cozinha do Organicame­nte Rango também cuida da distribuiç­ão de marmitas com o tempero de dona Nice. Desde o começo da pandemia, já foram distribuíd­as mais de 24 mil quentinhas e 15 mil cestas básicas. Todos os ingredient­es, mantimento­s e demais itens são comprados em comércios locais, “para movimentar a economia dentro da favela”.

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FOTOS TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO 50 Next. Thiago é um dos brasileiro­s a figurar na lista dos 50 jovens ‘que vão moldar o futuro da gastronomi­a mundial’
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A chef. Dona Nice, mãe de Thiago, fica no comando dos fogões do Organicame­nte Rango
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Na garagem. Armazém conecta a distribuid­ora de orgânicos com os consumidor­es locais

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