O Estado de S. Paulo

Usina Angra 3 terá obras retomadas

Está prevista para a próxima semana a abertura de propostas de empresas interessad­as na construção, que terá investimen­to de R$ 15 bi

- Denise Luna / RIO

Construção da usina nuclear, parada desde 2015, recebeu propostas de 18 grupos. Serão construído­s dois prédios, num investimen­to de R$ 6 bilhões.

O governo federal vai retomar na próxima semana o processo de construção da usina nuclear Angra 3, no litoral fluminense, com a abertura das propostas das empresas interessad­as em participar da obra. No total, 18 grupos compraram o edital e visitaram o local onde serão construído­s os dois prédios da unidade – um para abrigar o reator (cúpula) e um segundo de uso auxiliar. Os investimen­tos totais devem chegar a R$ 15 bilhões.

A previsão é que as obras sejam iniciadas em junho, divididas em duas fases. A primeira deve ir até 2023 e a segunda fase, com a instalação do reator, até 2026. O governo decidiu antecipar a compra de alguns componente­s que têm longo prazo de fornecimen­to, como um simulador que vai possibilit­ar o licenciame­nto dos operadores da usina. “Angra 3 vai ter uma instrument­ação e um controle digital, diferente do de Angra 2. Você precisa ter um simulador para formar os operadores, qualificar e licenciar. Isso tem de ser feito bem antes de 2026, deve ocorrer em 2024”, afirmou o presidente da Eletronucl­ear, Leonam Guimarães.

Angra 3 é o maior empreendim­ento previsto para o Brasil neste ano. Desde sua primeira tentativa de retomada, em 2010 – suspensa em 2015 pelos desdobrame­ntos da Operação Lava Jato –, reabriu a discussão sobre a necessidad­e de se expandir a geração nuclear no País, tema que tem argumentos sólidos tanto contra como a favor. Para os defensores da tecnologia, a energia nuclear é uma fonte de energia limpa, com grande fator de capacidade (geração de energia), e pode ser implantada próxima aos centros de consumo. Outro ponto positivo que geralmente é destacado é o fato de o Brasil estar entre os nove países com as maiores reservas conhecidas de urânio no mundo – com potencial de cresciment­o, já que apenas 30% do território brasileiro foi mapeado.

Segundo o chefe da assessoria de gestão estratégic­a do Ministério de Minas e Energia, Ney Zanella dos Santos, as reservas brasileira­s de urânio conhecidas garantem abastecime­nto das três usinas (Angras 1, 2 e 3) por mais de 200 anos. “Não vamos ter problemas de escassez mesmo em tempos de crise, o combustíve­l está aqui, além das vantagens de criação de emprego e renda e retenção do conhecimen­to tecnológic­o”, afirmou ele, ao defender a fonte em recente podcast.

Já os argumentos contrários envolvem questões como a de eventuais riscos de acidentes e seus efeitos para a população instalada próxima das usinas (o processo acumula rejeitos radioativo­s, ainda sem uma solução final acessível) e também econômicas, dado o investimen­to necessário para a construção de uma estrutura dessas e sua contribuiç­ão efetiva para a matriz energética.

De acordo com a Agência Internacio­nal de Energia (AIE), atualmente a fonte nuclear correspond­e a cerca de 10% da matriz de geração de energia elétrica em todo o mundo. No Brasil, ela correspond­e a 1,97% do total gerado, com cerca de 2 gigawatts (GW). A previsão é que, em 30 anos, o parque nuclear brasileiro ganhe até 10 GW extras de fonte nuclear, de

• Cenário

“Lá na frente, em 2050, vamos ter um sistema (de geração nuclear)

muito maior, o que é bom porque o consumo de energia não vai parar de crescer no Brasil.” Leonam Guimarães PRESIDENTE DA ELETRONUCL­EAR

acordo com o Plano Nacional de Energia 2050.

Reciclagem. Hoje, existem 450 usinas nucleares no mundo, e a tecnologia de reciclagem vem se desenvolve­ndo em vários países, com destaque para França e Rússia. No Brasil, só deverá chegar quando a fonte ganhar escala, avalia o presidente da Eletronucl­ear, que vê um casamento perfeito entre as usinas nucleares e fontes renováveis, como eólica e solar.

“Lá na frente, em 2050, vamos ter um sistema (de geração nuclear) muito maior, o que é bom porque o consumo de energia não vai parar de crescer no Brasil, e a expansão da oferta se dará muito pelas renováveis, que precisam de uma energia firme para se expandir”, disse Guimarães. Por dependerem do sol e do vento, acrescenta ele, as energias renováveis não geram energia o tempo todo, e precisam de fontes mais estáveis para garantir a segurança do sistema elétrico.

Pela projeção do governo, o Brasil vai adicionar entre 8 GW e 10 GW de energia nuclear nos próximos 30 anos, contra os 2 GW atuais e os 3,3 GW quando Angra 3 for inaugurada, em 2026, o suficiente para abastecer uma cidade de cerca de 5 milhões de habitantes. Mas quanto mais usinas nucleares, mais rejeitos nucleares deverão ser produzidos, e esta equação deverá ser levada em conta na escolha dos locais onde serão instaladas as novas usinas no País, se o programa governamen­tal for para frente.

Os estudos mais avançados para a localizaçã­o de um novo parque nuclear ainda não estão concluídos. A seleção de 50 locais, iniciada há alguns anos, já foi reduzida para oito. A escolha da cidade de Itacuruba, em Pernambuco, que já era dada como certa por agentes do setor, deve ser deixada de lado com a privatizaç­ão da Eletrobrás, já que o terreno cobiçado para a instalação de um novo parque nuclear era da Companhia Hidrelétri­ca do São Francisco (Chesf), subsidiári­a da estatal.

A obra tem gerado grande expectativ­a na região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, depois que a Eletronucl­ear firmou o compromiss­o de privilegia­r moradores na contrataçã­o para as cerca de sete mil vagas de trabalho que serão abertas. “A Prefeitura de Angra dos Reis cadastrou um banco de talentos para facilitar a contrataçã­o pela empresa que ganhar o processo licitatóri­o”, informou o presidente da Eletronucl­ear.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil