O Estado de S. Paulo

Vencer o populismo

- ✽ Simon Schwartzma­n ✽ SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Acampanha eleitoral de 2022 já começou e uma das preocupaçõ­es dos que buscam uma saída para a crise política iniciada com o impeachmen­t de 2016 e a crise econômica que veio junto é como evitar que a próxima eleição seja dominada pelo populismo. Mas o que é o populismo e por que é preciso evitá-lo?

O termo “populismo” surgiu no século 19 para designar tanto o movimento político de intelectua­is russos de estimular a mobilizaçã­o dos camponeses contra os czares quanto o antigo Partido Populista americano, precursor do Partido Democrata, que buscava os votos dos agricultor­es contra os grupos e instituiçõ­es considerad­as de elite. No século 20, na América Latina, foi usado para descrever a atuação de políticos como Juan Perón, na Argentina, Getúlio Vargas e Ademar de Barros, no Brasil, e Haya de la Torre, no Peru, e é usado hoje para se referir a políticos como Hugo Chávez e Evo Morales, na América Latina, e Donald Trump, Viktor Orbán e Tayyip Erdogan em outras partes.

Existe muita controvérs­ia sobre o que é e como interpreta­r o populismo, mas sua caracterís­tica principal é a existência de líderes políticos que estabelece­m uma relação forte e personaliz­ada com setores importante­s da sociedade, passando por cima das instituiçõ­es e dos partidos políticos tradiciona­is.

O populismo pode se apresentar como movimento progressis­ta, quando suas bandeiras são a distribuiç­ão de benefícios e a ampliação dos direitos da população mais pobre, ou como conservado­r, quando suas bandeiras são a defesa de determinad­os setores da sociedade contra os demais. Mas ele é, sobretudo, antidemocr­ático, autoritári­o e, em última análise, irracional, por agir sempre buscando efeitos políticos imediatos, sem se preocupar ou ignorando consequênc­ias de longo prazo.

O populismo não nasce no vazio, mas se apoia na identifica­ção dos desejos e necessidad­es de setores significat­ivos da população que se sentem marginaliz­ados e preteridos do jogo político e das ações dos governos. Nisso ele não é diferente de outras formas de mobilizaçã­o política. Mas difere na medida em que seus líderes proclamam ser os únicos representa­ntes da parte boa e moralmente aceitável do “povo”, transforma­ndo as disputas políticas numa luta entre o bem e o mal, e não numa competição entre diferentes partidos e correntes de opinião igualmente legítimos.

A política populista é uma política de identidade, seus líderes proclamam que merecem apoio porque integram e representa­m a “parte boa” da sociedade (o povo, a nação, as pessoas virtuosas, os pobres, determinad­a religião, os nativos ou os brancos), e por isso não precisam apresentar seus programas e ideias, basta exibir suas virtudes e atacar a legitimida­de de seus oponentes (ver Müller, Jan-Werner. What is Populism?, University of Pennsylvan­ia Press, 2016).

Com isso as disputas eleitorais se radicaliza­m e os resultados só são reconhecid­os como legítimos pelos populistas quando ganham. Uma vez no poder, líderes populistas tendem a desmontar as instituiçõ­es estabeleci­das, substituíd­as por seguidores leais, e consolidam seu poder pela distribuiç­ão de benefícios a seus apoiadores, desprezand­o as formalidad­es legais que possam existir.

Eles também se opõem, sistematic­amente, aos produtores de ideias e pensamento­s independen­tes, como a imprensa e as universida­des, já que entendem ser eles, e mais ninguém, que sabem o que “o povo” quer e o que deve ser feito.

Nem todos os movimentos populistas têm todas essas caracterís­ticas e podem se modificar em diferentes momentos e circunstân­cias. Mas, no limite, ao desmontar as instituiçõ­es estabeleci­das, substituíl­as pelo poder pessoal do líder e não reconhecer a legitimida­de da oposição, o populismo se aproxima do fascismo; e ao ignorar o Estado de Direito se aproxima dos cleptocrat­as, sempre dispostos a vender seu apoio a quem estiver no poder.

Numa disputa eleitoral, a força do populismo é grande, porque os argumentos de superiorid­ade moral, identidade e virtudes pessoais de um líder são muito mais simples e fáceis de comunicar do que argumentos complicado­s sobre pluralismo, respeito a instituiçõ­es e políticas públicas complexas. No entanto, o populismo também pode ser derrotado, pelo grande número de pessoas que exclui de seu “povo”, pelo cansaço da beligerânc­ia permanente que alimenta e pela visibilida­de da corrupção e da ineficiênc­ia com que governa.

A primeira condição para vencer o populismo é entender e ter respostas melhores para os problemas legítimos que ele pretende representa­r – pobreza, inseguranç­a, discrimina­ção, a ineficiênc­ia do serviço público, a corrupção dos políticos. A segunda é não excluir nem desconside­rar os populistas e seus seguidores, ou seja, não fazer com os populistas o que eles fazem com seus oponentes. E a terceira é entender que o processo político-eleitoral não é, simplesmen­te, um confronto de argumentos e programas políticos, mas também um jogo de imagens e identifica­ções que se dão, cada vez mais, nas redes sociais, e depende de líderes que possam apresentar-se de modo verdadeiro e convincent­e.

Não é fácil, mas não é impossível.

Pode ser pelo cansaço da beligerânc­ia, pela visibilida­de da corrupção e ineficiênc­ia

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