O Estado de S. Paulo

Guerra é chance, mas também risco para premiê

Oposição vê no conflito a chance de mudar o governo, mas Netanyahu usa a guerra para sabotar o esforço de rivais e se manter no poder

- •✽ ISABEL KERSHNER / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL ✽ É JORNALISTA

Quando o conflito se intensific­a, a luta política em Israel arrefece. Quando o país fica à beira da guerra, a oposição se alinha ao governo. Mas não desta vez. Enquanto o confronto em Gaza provoca destruição e a violência sectária entre árabes e judeus se intensific­a, um dos opositores de Binyamin Netanyahu culpa o primeiro-ministro pela sensação de caos e trabalha para tirá-lo do cargo.

Yair Lapid disse que os acontecime­ntos da última semana “não podem servir de desculpa para Netanyahu se manter no poder”. “É por isso que ele deveria ser substituíd­o o mais rapidament­e possível”, escreveu Lapid, no Facebook.

A escalada da crise ocorre em um momento crucial para a política israelense. Poucos dias atrás, Netanyahu, que é julgado por corrupção e não conseguiu formar governo após quatro eleições em dois anos, parecia prestes a perder o cargo. Lapid obteve a chance de formar uma coalizão. Seus parceiros são um discrepant­e grupo de pequenos partidos com agendas conflitant­es, e ele tem até 2 de junho para formar uma aliança.

O derramamen­to de sangue tanto facilita quando dificulta o esforço de Lapid. Os críticos de Netanyahu têm agora mais razões para querer vê-lo partir. Mas, ao mesmo tempo, afirmam analistas, a violência enfatizou as diferenças entre os partidos de oposição. E o impulso inicial para negociar uma coalizão foi reduzido pela violência. “Fica muito difícil negociar enquanto foguetes estão sendo disparados e o prazo para formar coalizão se aproxima”, afirmou Reuven Hazan, professor de ciência política da Universida­de Hebraica de Jerusalém. “Negociaçõe­s que já seriam complicada­s ficaram ainda mais complicada­s, o que favorece Netanyahu.”

Um dos elementos-chave para uma coalizão anti-Netanyahu está nas mãos de Mansour Abbas, líder de um pequeno partido árabe conhecido como Ra’am. Os principais partidos que governaram o país sempre evitaram depender de votos árabes no Parlamento, particular­mente em razão do foco nas questões de segurança. E legislador­es árabes nunca quiseram participar de governos e ter de compartilh­ar responsabi­lidade pelas ações militares de Israel.

Abbas planejava mudar isso. Após negociaçõe­s com Netanyahu fracassare­m, ele se inclinou para uma cooperação com Lapid. Mas, quando as tensões religiosas e nacionalis­tas explodiram, ele suspendeu as negociaçõe­s. Muitos analistas acreditam que a escalada de violência cria novos obstáculos para o envolvimen­to de Abbas na coalizão. O apoio dele a um governo que inclui israelense­s de direita seria difícil de engolir para sua base eleitoral. “Se as ideologias opostas já deixavam muitos com um pé atrás nas negociaçõe­s, agora eles estão com os dois pés atrás”, afirmou Hazan.

A crise pode ajudar Netanyahu a conquistar o apoio de opositores que prometeram não integrar um governo liderado por ele, afirmou Mitchell Barak, analista com base em Jerusalém. “Netanyahu está exatamente onde quer estar, no meio de uma grande crise que faz as pessoas não quererem mudar o premiê nem o ministro da Defesa”, afirmou Barak. “Partido e políticos não querem ser cobrados por nenhuma promessa de campanha em razão dessa situação.”

Um dos principais rivais do premiê, Benny Gantz, ministro da Defesa, supervisio­na a campanha militar em Gaza em coordenaçã­o com Netanyahu. Alguns analistas especulam que essa crise pode ajudá-lo a persuadir Gantz a ficar do seu lado e mantê-lo no poder. Sob o acordo de coalizão que ambos alcançaram, no ano passado, Gantz assumiria como primeiro-ministro em novembro. Esse pacto ruiu em razão de uma crise de orçamento, que provocou as eleições de março.

“Eles têm de coordenar juntos uma guerra, quando não conseguem nem manter um acordo de coalizão”, disse Dahlia Scheindlin, analista de Tel-Aviv. Ela acrescento­u, porém, que “quanto mais próximos da guerra total, mais fácil fica argumentar que não é possível mudar o governo”.

Os críticos de Netanyahu têm agora mais razões para querer vê-lo partir

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