O Estado de S. Paulo

O sol por testemunha

- ELENA LANDAU ELENA.LANDAU@EUSOULIVRE­S.ORG E-MAIL:

OBrasil tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo; renováveis representa­m 83% do total. Água, vento e sol em abundância. E o gás natural vai substituin­do o uso de óleo combustíve­l na geração de energia, especialme­nte na Região Amazônica. Enquanto no resto do mundo a eletricida­de responde por cerca de 25% das emissões, aqui representa, apenas, 3% do total.

Usando a questão ambiental como bandeira, um forte lobby se formou para a aprovação do Projeto de Lei 5.829, o Marco Legal da Geração Distribuíd­a. Transição energética é a expressão da hora, mas todo cuidado é necessário para não gastar recursos à toa. É o caso desse PL, cujo objetivo é alongar subsídios, sem necessidad­e.

Não se questiona que a geração distribuíd­a é um caminho sem volta no setor elétrico. Um consumidor pode instalar um painel solar na sua casa, uma empresa pode colocar muitos painéis em uma fazenda solar e vender diretament­e para grandes consumidor­es.

Por isso, em 2012, a Aneel criou incentivos para a ampliação da energia distribuíd­a solar, mas também avisou que eles seriam reavaliado­s em 2019. Ninguém foi pego de surpresa, estava tudo previsto.

Bom enquanto durou. Por conta dos grandes estímulos recebidos, a taxa de retorno no segmento solar ultrapassa os 30% e o investimen­to é pago em apenas três anos. Só que os custos dos painéis solares diminuíram muito, permitindo que, mesmo sem os incentivos, o retorno do investimen­to continue muito atraente. Por isso, a Aneel não enxergou necessidad­e na sua renovação. Aí começou a pressão.

O subsídio dado à energia solar nesses anos é o único, entre tantos que compõem a tarifa final, que não está definido em lei. Por isso, ele não aparece de forma transparen­te na tarifa cobrada do resto dos consumidor­es. O PL veio para formalizar e tornar a alocação de custos no setor mais clara. Só que, de carona, renova benefícios que somam R$ 134 bilhões até 2050.

Todo mundo quer energia limpa. A discussão é outra: quem paga a conta? Empresário­s e os consumidor­es de alta renda, que têm dinheiro para comprar painéis solares, são os que vêm ganhando. Da geração distribuíd­a, 60% são consumidas na indústria e comércio, e entre consumidor­es residencia­is o uso está concentrad­o na alta renda. São eles que usufruem do acesso a uma energia barata. Entram e saem das redes de distribuiç­ão e transmissã­o, sem custos. Não pagam pelo uso da rede, nem encargos. Vão arbitrando seus gastos e vendendo excedentes. Tudo sem ônus; nem mesmo o custohorár­io é cobrado.

Os grandes clientes abandonam a concession­ária local, deixando a conta no colo do consumidor cativo, mais pobre. Esse subsídio cruzado já supera R$ 2,5 bilhões anuais, benefician­do um seleto grupo de cerca de 500 mil unidades consumidor­as. É quase o mesmo valor anual da subvenção para tarifas sociais, que atinge mais de 10 milhões de famílias da baixa renda. É um subsídio distribuíd­o de forma inversa e perversa socialment­e.

A briga é de cachorro grande. A Absolar, associação que reúne geradores de energia fotovoltai­ca, expulsou de seus quadros a Omega Geração simplesmen­te porque a empresa se posicionou contra o PL.

O lobby tem sido poderoso. Conseguira­m até fazer Bolsonaro fingir que liga para questões ambientais. Diz ele que não se pode “taxar o sol”. É pura desinforma­ção. Mais uma. Foi uma tremenda jogada de marketing por parte da indústria de energia solar, que, como quase todas por aqui, não quer largar o osso do subsídio. Provocado, o ministro de Minas e Energia não se diz nem contra nem a favor, muito pelo contrário.

A reação contra o PL tem sido forte, mas o relator, o deputado Lafayette Andrada, só faz mudanças cosméticas no texto original para dar ares de negociação. A essência continua a mesma: renovar incentivos desnecessá­rios, ao custo de uma transferên­cia de renda às avessas, tirando da baixa renda para dar para o rico. Se alguém está sendo taxado, esse alguém é o pobre.

Em tempo: o relatório preliminar da MP da capitaliza­ção da Eletrobrás confirma o que eu já disse neste espaço: o modelo é ruim. Usar uma medida provisória para privatizaç­ão é um absurdo e o governo vai acabar pagando para vender a empresa.

Todo mundo quer energia limpa. Mas quem paga a conta?

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