O Estado de S. Paulo

Entre Lula e Bolsonaro

- •✽ ROGÉRIO WERNECK

Falta de horizonte talvez seja a dificuldad­e mais séria do precário quadro econômico que hoje enfrenta o País. A esta altura, o mais importante passou a ser vislumbrar, em meio ao denso nevoeiro de incerteza, o que esperar de 2023, findo o mandato de Bolsonaro. Mas, para isso, é crucial tentar entender o que condiciona­rá a travessia dos 16 meses e meio que nos separam das eleições.

A volta de Lula ao jogo político, como candidato a presidente já muito bem posicionad­o nas pesquisas de intenção de voto, estreita em grande medida o espaço de manobra com que esperava contar o Planalto, ao longo dessa travessia. A pesada aposta de Bolsonaro no Centrão pode acabar se revelando bem menos promissora do que de início lhe parecia.

É bom lembrar que boa parte dos integrante­s do Centrão já esteve confortave­lmente aninhada nos governos Lula e Dilma. E que, para muitos deles, a perspectiv­a de poder associada à candidatur­a de Lula pode se afigurar bem mais atraente que o compromiss­o com o projeto de reeleição de Bolsonaro. Especialme­nte, quando tudo indica que, na campanha de 2022, Lula pretende evitar erros crassos cometidos em 2018, movendo-se para o centro e apresentan­dose ao eleitorado com discurso moderado.

Bolsonaro e Lula têm algo de muito importante em comum: ambos gostariam que a disputa de 2022 ficasse restrita a um mano a mano entre os dois. Têm feito e farão o que lhes for possível para cercear o surgimento de outras candidatur­as que possam ter viabilidad­e eleitoral. O que pode acabar não sendo tão difícil, tendo em vista a tendência à fragmentaç­ão das forças políticas de centro.

Basta ter em conta a longa lista de pré-candidatos a presidente que, a menos de 17 meses da eleição, continuam a nutrir a esperança de se apresentar no portão de largada. Entre outros, Ciro Gomes, João Doria, Luciano Huck, Eduardo Leite, Henrique Mandetta, Sergio Moro e, mais recentemen­te, Tasso Jereissati.

Em que medida o desgaste imposto pela CPI prejudicar­á o projeto de reeleição de Bolsonaro? O que dizem os analistas políticos é que boa parte dos adversário­s do presidente – Lula, especialme­nte – esperam que a CPI o faça “sangrar”, mas não a ponto de dar ensejo à deflagraçã­o de um processo de impeachmen­t. E que essa seria a diretriz com que deverá trabalhar o senador Renan Calheiros, relator da CPI. O problema é que assegurar esse tipo de sintonia fina pode ser difícil. Nunca se sabe ao certo em que poderá afinal redundar uma CPI tão tensa.

Seja como for, o governo tem razões de sobra para se preocupar. Os desdobrame­ntos da CPI poderão lhe ser extremamen­te danosos, a ponto de botar a perder o projeto da reeleição. A esperança do Planalto é que, com o avanço da vacinação, os danos da CPI sejam atenuados. Mas quantos meses mais serão necessário­s até que tal atenuação se faça sentir?

É preciso também ter em conta que as atribulaçõ­es de Bolsonaro estão longe de estar restritas aos danos potenciais da CPI. Sem ir mais longe, basta lembrar que o Planalto acaba de ser flagrado em constrange­dora coonestaçã­o de uma artimanha de assalto ao Tesouro orquestrad­a no Congresso. Há meses, parlamenta­res simpáticos ao governo vêm sendo agraciados com verbas orçamentár­ias alocadas a seu bel-prazer na distribuiç­ão de tratores superfatur­ados a prefeitura­s, ao arrepio de práticas republican­as de gestão orçamentár­ia.

As estreitas possibilid­ades da configuraç­ão da disputa presidenci­al de 2022 vão, aos poucos, tomando forma. Com Lula se movendo para o centro, a disputa pelo eleitorado de centroesqu­erda se tornará ainda mais acirrada do que já é. Caso a proliferaç­ão de candidatur­as possa ser evitada, é o eleitorado de centro-direita que terá de ser conquistad­o pelo candidato de centro. O que parecerá tão mais factível quanto mais intensa for a fragilizaç­ão de Bolsonaro, já claramente detectada em pesquisas mais recentes de intenção de voto.

Terão as forças políticas de centro a grandeza e a competênci­a requeridas para jogar o jogo que precisam jogar?

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