A câmera chega o mais perto que pode da realidade
Omedo que Barry Jenkins sentiu ao adaptar The Underground Railroad – Os Caminhos para a Liberdade para a televisão não é infundado. Nos últimos anos, o bem-vindo crescimento do número de filmes e séries sobre pessoas negras gerou muitas vezes produtos que falam quase somente do trauma, seja da escravidão ou da segregação ou da brutalidade policial.
A preocupação com isso é evidente em
The Underground Railroad, desde já a minissérie obrigatória de 2021. Jenkins não tem como escapar dos horrores vividos por Cora (Thuso Mbedu), que foge da fazenda na Georgia e percorre Carolina do Sul, Carolina do Norte, Tennessee e Indiana. Ele nem quer, pois ignorar a crueldade seria um desserviço. O diretor é explícito quando precisa ser – por exemplo, em uma cena brutal no primeiro episódio. Mas o homem castigado retém sua dignidade. Indigno é quem faz aquilo para ele. A câmera chega o mais perto que pode da realidade. O foco principal, no entanto, está na reação dos homens, mulheres e crianças obrigados a assistir àquilo. E na face de Cora, que finalmente se rende aos apelos de Caesar para fugir.
A verdadeira força da minissérie é o espaço que dá para os personagens respirarem, sentirem, serem e existirem. Cora, antes de ser uma mulher ferida pelas circunstâncias de sua escravização, é uma filha abandonada pela mãe. Caesar, que lê As Viagens de Gulliver, inspiração para o próprio Whitehead, não aceita nada além da liberdade que lhe foi prometida e depois negada. Jasper (Calvin Leon Smith) canta e decide morrer em seus próprios termos.
E há os grupos de pessoas que olham diretamente para a câmera, sejam nas plantações ou nas estações de trem – os registros dos figurantes viraram o média-metragem
The Gaze (“o olhar”), uma peça de acompanhamento de The Underground Railroad. Nesses momentos, fica mais claro o objetivo de Jenkins com a minissérie: retomar a narrativa, o olhar, a História. Porque aquelas pessoas ali representam os milhões de negros escravizados cujas histórias nunca foram contadas, cujos nomes não foram registrados e que vivem em seus muitos descendentes. Cada episódio termina com uma música contemporânea, de Outkast, Marvin Gaye, Kendrick Lamar, Childish Gambino, como forma de dizer: apesar de tudo o que nos fizeram e nos fazem, sobrevivemos, aqui estamos e brilhamos.