O Estado de S. Paulo

GOSTO PELA LEITURA

Clubes de leitura ganham público, como Thais Marotta, com os filhos João Pedro e Maria Luiza.

- Maria Fernanda Rodrigues

Julia Plein Amar sempre gostou de ler e nunca saía de uma livraria sem um livro novo. E então ela entrou na faculdade, depois conseguiu um emprego e não sobrava mais tempo para ir escolher o livro nem para a leitura. E veio a pandemia. Achando que só vendo séries ela não chegaria a lugar nenhum, a administra­dora de 31 anos decidiu que era hora de retomar o antigo hábito, mas quis experiment­ar algo novo: um clube de assinatura.

Julia voltou a ler, e tem sido surpreendi­da pelos livros que chegam na caixinha da TAG Inéditos. Por exemplo, ela conta que amou A Garota Que Não se Calou, da nigeriana Abi Daré – um livro que talvez ela não descobriss­e sozinha. Este mês, ela e os cerca de 36 mil assinantes desta modalidade do clube vão receber o primeiro inédito de um autor brasileiro a integrar o projeto: Gostaria Que Você Estivesse Aqui, o segundo romance de Fernando Scheller, jornalista do Estadão, que ainda será lançado pela Harpercoll­ins.

“Uma coisa que faz toda a diferença, principalm­ente nesse momento de pandemia, é o carinho que a gente sente em cada caixinha que chega. O time da TAG pensa em tudo com muito carinho e isso transparec­e na decoração da caixa, no mimo, nas revistas, nas músicas. Eu me sinto abraçada cada vez que chega uma caixinha”, diz Julia.

Inspirada no lendário Círculo do Livro, a gaúcha TAG foi uma das primeiras a se aventurar neste mercado, em 2014. E é hoje o maior clube de assinatura para adultos do País, com 70 mil associados em suas três modalidade­s (Inéditos, Curadoria e no novato Grow, de desenvolvi­mento profission­al). Nessa mesma época, nasceu o Leiturinha, também líder, mas entre os serviços de assinatura para crianças. São nada menos do que 180 mil assinantes.

A chegada de Julia à TAG não é um fato isolado. Gustavo Lembert, um dos sócios-fundadores, diz que aumentou muito a procura desde o começo do isolamento social. Em 2019, ela tinha 45 mil associados. Em 2020, 58 mil (no final desse ano, chegou o primeiro investidor externo). E a previsão é fechar 2021 com até 80 mil leitores. “Não há o que se comemorar numa pandemia, mas entendemos que, nesta situação, as pessoas se abriram a novas experiênci­as e muitas delas perderam o medo de comprar pela internet. Sem contar que estamos todos meio carentes e a TAG acaba sendo um respiro, aquela hora de abrir a caixinha e dar um sorriso. Um presente que nos damos. E é menos uma tomada de decisão, o livro só chega”, comenta.

TAG e Leiturinha, que cresceu 12% no último ano, são líderes, mas nunca estiveram sozinhas. Entre as editoras que investem nesse modelo de negócios, está a Intrínseca, que não revela o número de assinantes do Intrínseco­s, de 2018. Mas, segundo Heloiza Dau, diretora de Marketing, o clube cresceu 124% no último ano. A ideia é se aproximar cada vez mais de seus leitores fiéis e conquistar um novo público.

De Fortaleza e comandado por Daniel Herculano e Lívia Menezes desde 2016, o Clube Box também viu sua base de clientes crescer na pandemia – em torno de 25%. Trata-se de um serviço para leitores cinéfilos, ou viceversa. Na caixa, vem sempre um filme, um livro (que já ganhou alguma adaptação para o cinema ou TV ou tenha a ver com esse universo), algum objeto cinematogr­áfico e uma camiseta feita especialme­nte para o kit do mês.

Do ano passado para cá, esses e os outros clubes vêm encontrand­o novos concorrent­es. Na pandemia, com as livrarias fechadas e mais gente em casa, assistimos a uma invasão (boa) de novos serviços de assinatura. Todos com valores parecidos (algo em torno de R$ 60) e cada um com a sua cara: alguns com ‘mimos’, outros com conteúdo extra impresso ou online, quase todos com a promessa de mandar o livro antes de ele chegar às livrarias, às vezes descontos em outros livros, acesso a cursos e por aí vai, dependendo da criativida­de e do objetivo de cada um. E todos em busca de leitores, e de uma alternativ­a de modelo de negócio.

A Malê, por exemplo, criou o Clubelê em outubro, e as assinatura­s viabilizar­am o fluxo de lançamento­s da editora. “Nosso diferencia­l é apostar em edições inéditas especiais e exclusivas da literatura escrita por autoras negras”, conta o editor Vagner Amaro. Também do fim de 2020, a Boitempo criou o Armas da Crítica, com livros para “ajudar o leitor a interpreta­r o mundo”.

A estreante livraria online Dois Pontos, de Ciça Pinheiro e Ana Paula Rocha, inaugurada mês passado, também tem um clube de não ficção cuja proposta é enviar livros sobre temas da contempora­neidade e que funcionem como uma espécie de introdução ao assunto abordado nele. Os primeiros assinantes do Bússola, bem como do Histórias Irresistív­eis, para obras de ficção, começaram a receber seus kits esta semana.

Livraria e clube nascem juntos, e conversam entre si na proposta de contextual­izar as obras escolhidas. E, como o foco do clube é o livro, não vem mais nada na caixa além dele e de uma sobrecapa com conteúdos extras. “Queremos nossa energia e nosso investimen­to no prazer do livro e da leitura”, explica Ciça.

A Bazar do Tempo apresentou, em março, seu clube feminista, o Clube F, só com obras escritas por mulheres – Virginia Woolf foi a primeira.

E, por falar em feminismo, outra novidade recente é o infantil Minha Pequena Feminista. A idealizado­ra Mayara Reichert, formada em biotecnolo­gia e leitora, conta que a ideia é selecionar livros com protagonis­tas meninas e que tenham uma diversidad­e de personagen­s e de situações. “Vi nos livros um jeito de levar um pouco de feminismo para as crianças. Livros conseguem tocar a família toda”, comenta a empresária de 28 anos. O projeto está crescendo, e ela sabe que tem um longo caminho para se consolidar – diz, por exemplo, que precisa investir mais na comunicaçã­o e nos materiais. Mas a ideia é boa.

Thais Arruda Marotta, frequentad­ora assídua de livrarias antes da pandemia, queria começar a conversar com Maria Luiza, de 8 anos, sobre empatia, diversidad­e e inclusão e descobriu o Minha Pequena Feminista. “É uma curadoria voltada para o que eu estava procurando e a carta que vem junto me ajuda. Assinei para a minha filha, mas, nessa sociedade em que vivemos, com esta cultura do machismo, sinto que está sendo muito bom para o João Pedro também.” Aos 4, ele não absorve tudo, mas é um começo.

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TABA BENEDICTO/ESTADÃO Infantil. Thais Marotta assina o Minha Pequena Feminista para Maria Luiza e João Pedro
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Hábito. Julia voltou a ler depois de assinar a TAG Inéditos

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