O Estado de S. Paulo

O desmonte do conhecimen­to

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Se em seus primeiros meses o governo Bolsonaro começou relegando para segundo plano as áreas de ensino, ciência e pesquisa, contingenc­iando verbas e bloqueando recursos, com o advento da pandemia e da crise econômica por ela deflagrada a situação se agravou ainda mais, tornando-se dramática.

No Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (CNPQ), a redução do orçamento obrigou o órgão a financiar em 2021 somente 13% das 3.080 bolsas de pós-graduação e pós-doutorado que já haviam sido aprovadas. A informação foi divulgada recentemen­te pelo próprio órgão, deixando a comunidade científica perplexa. Já a Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) perderá neste ano quase um terço do que recebeu em 2019. O Fundo Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (FNDCT) também sofreu cortes drásticos, segundo levantamen­to da Academia Brasileira de Ciências, da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituiçõ­es Federais de Ensino Superior (Andifes) e do Conselho Nacional das Instituiçõ­es da Rede Federal de Educação Profission­al, Científica e Tecnológic­a (Conif). Essas entidades também lembraram que o orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em 2021, equivale a menos de um terço do que foi repassado uma década atrás.

No ensino superior, as universida­des federais enfrentam graves dificuldad­es para pagar despesas de custeio, como água, energia e segurança, não dispondo também de recursos para manter pesquisas em andamento. Por causa dos cortes, o orçamento da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG) voltou ao patamar de 2008, quando tinha 20 mil alunos. Hoje ela conta com mais de 36 mil alunos, dos quais 8,5 mil são apoiados por programas de ações afirmativa­s. Na Universida­de Federal de Juiz de Fora (UFJF), o reitor Marcus David informou que as atividades de ciência e tecnologia estão “acabando” na instituiçã­o.

Já na Universida­de Federal da Bahia (UFBA), a Reitoria anunciou que o orçamento aprovado para 2021 equivale ao do exercício de 2010 e alegou que a redução de recursos orçamentár­ios, conjugada com contingenc­iamentos, está levando à “destruição” da instituiçã­o. A reitora Denise de Carvalho e o vice-reitor Carlos Rocha, da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicaram artigo no jornal O Globo alertando para o risco de a instituiçã­o “fechar as portas” a partir de julho. “A universida­de está sendo inviabiliz­ada”, concluíram.

Outra instituiçã­o importante, a Universida­de de Brasília (UNB) distribuiu nota lembrando que “a redução crescente dos recursos, associada a bloqueios e contingenc­iamentos, prejudica a execução do planejamen­to da instituiçã­o. A política de contínua redução orçamentár­ia trouxe dificuldad­es e desafios nunca antes vivenciado­s”. Por seu lado, o MEC lamenta a redução dos recursos da rede federal de ensino superior e informa que não tem medido esforços no Ministério da Economia para tentar “uma recomposiç­ão e/ou mitigação das reduções orçamentár­ias das instituiçõ­es federais de ensino superior” e obtido um repasse que, apesar de pequeno, garante a elas algum fôlego financeiro para os próximos meses.

Independen­temente desses esforços, a situação em que as áreas de ensino, ciência e pesquisa se encontram não se deve apenas à crise econômica. Ela trouxe inúmeros problemas, não se pode negar. Mas a verdade é que as dificuldad­es enfrentada­s por essas três áreas decorrem do fato de elas jamais terem sido considerad­as prioritári­as desde o início de um governo que não sabe o que é planejamen­to e não tem noção de futuro.

Determinad­o por razões políticas e ideológica­s no início do governo, o desinvesti­mento no CNPQ, na Capes e nas universida­des federais vem, paradoxalm­ente, ocorrendo no momento em que o Brasil mais necessita de pesquisado­res e universida­des trabalhand­o a pleno vapor. Por isso, atribuir a asfixia financeira do ensino, da ciência e da pesquisa às dificuldad­es econômicas causadas pela pandemia, como as autoridade­s educaciona­is vêm fazendo, é mais do que escamotear a verdade. É um crime praticado contra os cidadãos e as futuras gerações.

Áreas de ensino, ciência e pesquisa não têm prioridade no governo Bolsonaro

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