O Estado de S. Paulo

Tribos do Tapajós sofrem com desmate e garimpo

Ao longo das margens do rio, no Pará, mais de 14 mil indígenas bebem água contaminad­a e enfrentam surtos de malária e covid

- André Borges /

A escalada de violência em terras indígenas tem ganhado força pelo País, com o avanço do desmatamen­to, da grilagem de terras e do garimpo ilegal. Os episódios ocorridos nesta semana em Roraima, onde garimpeiro­s armados dispararam balas de fuzil contra o povo Ianomâmi, se somam às evidências do recrudesci­mento das invasões em áreas demarcadas.

Nas margens do Rio Tapajós, no Pará, onde vivem mais de 14 mil indígenas das etnias Munduruku e Apiacá, os crimes têm acelerado a contaminaç­ão das águas e a proliferaç­ão de doenças, como malária e covid. O Estadão teve acesso a um estudo realizado por instituiçõ­es ambientais que formam o Comitê Nacional em Defesa dos Território­s

Frente à Mineração. Durante seis meses, quatro pesquisado­res do comitê reuniram dados oficiais do governo para analisar o impacto das invasões da terra indígena Munduruku, localizada no município de Jacareacan­ga, entre Mato Grosso e Pará. A fotografia extraída desse cenário revela fragilidad­es que hoje corroem a vida das 145 aldeias da região.

Só em 2020, uma área equivalent­e a mais de 2 mil campos de futebol foi desmatada dentro das terras Munduruku e Sai Cinza, no Alto Tapajós. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam a derrubada de 2.052 hectares de floresta. A razão dessa concentraç­ão de crimes nas terras demarcadas é simples: dentro das terras indígenas é que estão de pé, ainda, as árvores mais nobres, como o ipê. E é nessas terras que estão cobiçadas jazidas de ouro, como em Jacareacan­ga e Itaituba, no Médio Tapajós.

O desmatamen­to na região em 2020 supera o volume já alarmante de 2019, quando 1.835 hectares de floresta foram devastados na terra Munduruku. Na vizinha terra Sai Cinza deuse uma explosão de desmatamen­to, de 16 hectares em 2019 para 304 hectares em 2020.

Doenças. Com o avanço dos madeireiro­s e do garimpo, as doenças invadiram as aldeias. Os dados do estudo “O cerco do ouro: garimpo ilegal, destruição e luta em terras Munduruku” mostram que, em menos de um ano, 31 indígenas morreram de covid-19. Surtos de malária também se espalharam, além da contaminaç­ão por ingestão de mercúrio.

O material, que é usado ilegalment­e para extrair o ouro de outros sedimentos, tem contaminad­o as águas utilizadas pelos índios – principalm­ente com a alimentaçã­o por peixes. Um estudo de 2020 da Fiocruz e da WWF Brasil detectou níveis de mercúrio em todos os indígenas da região. De cada dez participan­tes, seis apresentar­am níveis de mercúrio no corpo acima de limites seguros.

Dados do Ministério da Saúde indicam ainda que, entre 2018 e 2020, houve forte cresciment­o de casos de malária, comorbidad­e que pode se agravar em casos de contaminaç­ão por covid. Os casos dessa doença entre os indígenas passaram de 645 para 3.264 notificaçõ­es. O período coincide com os surtos de garimpo e o aumento das invasões.

Ouro. “As mudanças tecnológic­as na exploração mineral observadas na última década não ampliam só a capacidade de produção de ouro nos garimpos ilegais, mas também a capacidade de destruição dessa atividade. Com a inserção de retroescav­adeiras, viabilizad­as por ricos empresário­s, vemos a mudança inegável no perfil da garimpagem, que passa a promover grande dano a terras e comunidade­s”, diz Luísa Molina, antropólog­a da UNB e uma das coordenado­ras do estudo.

O geógrafo Luiz Jardim Wanderley, especialis­ta em mineração, afirma que houve, de fato, um aumento de casos de violência e invasões nos últimos dois anos. Questionad­a, a Funai limitou-se a declarar que “desconhece o estudo mencionado” e “não comenta levantamen­tos extraofici­ais” – mesmo informada de que os dados são de fontes do próprio governo.

“As mudanças tecnológic­as não ampliam só a produção de ouro nos garimpos ilegais, mas também a capacidade de destruição.” Luísa Molina

ANTROPÓLOG­A DA UNB

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FOTOS: MOVIMENTO MUNDURUKU IPEREG AYU Guerreiros e guerreiras Mundurukus atuam em fiscalizaç­ão autônoma de terras indígenas Munduruku e Sai Cinza, na região de Jacareacan­ga; violência também aumentou
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Desprotegi­dos.

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