O Estado de S. Paulo

O gato subiu no telhado

DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA (CBIE)

- • ADRIANO PIRES ✽

Desde 2013 o setor elétrico brasileiro apresenta problemas crônicos. Os principais são tarifas crescentes, elevação de subsídios, uma matriz de geração muito intermiten­te e transferên­cia de renda do mercado cativo para o livre.

Tudo começou no governo Dilma com a MP 579 que se propunha a reduzir a tarifa em 20% sem respeitar as regras do mercado. A consequênc­ia foi esvaziar os reservatór­ios, nunca mais recuperado­s, na tentativa de manter a promessa de redução das tarifas.

Mas não adianta mais culpar o governo Dilma. O fato é que pouco se fez para corrigir os erros. Pelo contrário, nesses últimos 9 anos ficamos reféns do clima e do cresciment­o da atividade econômica. É bom lembrar que a economia cresceu abaixo de 1% nos últimos 10 anos. Os remédios adotados foram os racionamen­tos econômicos, as rezas para São Pedro e a insistênci­a em apostar em linhas de transmissã­o e energias intermiten­tes, deixando de lado a preocupaçã­o com a segurança do abastecime­nto. Nossas autoridade­s responsáve­is pelo setor elétrico decidiram viver perigosame­nte, sempre à custa dos consumidor­es. Em 2021, as coisas pioraram e parece que o gato subiu no telhado. Poderia ter sido em 2020, mas a pandemia salvou o setor elétrico da crise. Em 2021 estamos vivendo a pior afluência dos últimos 91 anos, causando afluências abaixo da média histórica em todos os subsistema­s elétricos e com isso levando a níveis muito baixos dos reservatór­ios. O nível médio mensal de 2021 está em 34%, podendo chegar em novembro a quase 10%. Na Região Sudeste/centrooest­e poderemos chegar em novembro abaixo de 10%. Essa situação poderia ter sido evitada? Sim.

O grande erro do governo foi o de ter permitido uma dependênci­a exagerada de fontes renováveis intermiten­tes, sem uma política de reservatór­io meta e inserção de mais geração confiável equivalent­e na oferta. Além disso, acreditar que linha de transmissã­o gera energia. Ao abandonar as verdadeira­s soluções de segurança energética, optou por uma política de um certo populismo ambiental, alegando de forma equivocada que as térmicas, necessária­s como complement­o das renováveis, levariam a uma imagem ruim do Brasil nas discussões ambientais e a tarifas elevadas. Isso começou quando a então ministra Marina Silva proibiu a construção de hidrelétri­cas com reservatór­io e em 2009 quando se fez um leilão exclusivo de eólica se retirando na véspera as térmicas por razões de pressões ambientais.

No período 2013/2020, as tarifas de energia elétrica cresceram 7,9% acima da inflação. Caso tivéssemos ligado térmicas inflexívei­s a gás nesse período no valor de R$ 214/MWH, as tarifas teriam subido apenas 1,9% acima da inflação. Nesse período o consumidor pagou R$ 183,5 bilhões. Caso as térmicas a gás inflexívei­s estivessem ligada, pagariam R$101,64 bilhões. Ou seja, menos R$ 81,64 bilhões. As térmicas, também, teriam permitido gerenciar melhor a água dos reservatór­ios, reduzido a volatilida­de dos preços e funcionado como uma bateria virtual para a expansão com segurança de abastecime­nto para as fontes eólica e solar. Na questão ambiental, introduzir térmicas a gás não haveria nenhum problema. Afinal temos uma das matrizes mais limpas do mundo e a solução de usar gás para gerar energia tem sido utilizada nos EUA e na Europa. O gás natural é considerad­o a ponte para uma matriz com zero de emissão.

Setor elétrico sofre de problemas crônicos, muitos causados pelo desrespeit­o às regras do mercado

Mas temos risco de apagão em 2021? Difícil afirmar. Mas, se no início do ano estávamos pendurados nas vacinas e nas chuvas, agora as coisas pioraram. As chuvas não vieram e a economia pode crescer no 2.º semestre. Portanto, precisamos tomar providênci­as de curto prazo. As soluções estruturai­s devem ser implementa­das para evitar pesadelos futuros. Mas agora estamos em urgência. Nesse contexto, a primeira solução é deixar o mercado determinar o preço. Ao querer intervir nos preços jogando o aumento nos encargos do sistema e deixando a solução para o ano que vem, corremos riscos sérios. O primeiro é dar o sinal errado e com isso incentivar o consumo. O segundo é que isso pode ajudar em muito a levar a um apagão. É preciso cuidado no trade-off tarifas e apagão. O terceiro é como arranjar gás e infraestru­tura capazes de guardar água no curto prazo. Com a palavra o governo.

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