O Estado de S. Paulo

Polarizaçã­o invade entidades de classe

OAB, associaçõe­s de médicos, ruralistas e estudantes refletem divisão entre grupos bolsonaris­tas e antibolson­aristas, antecipand­o 2022

- Pedro Venceslau Paula Reverbel

Associaçõe­s de advogados, médicos, ruralistas e estudantes refletem divisão entre grupos bolsonaris­tas e anti-bolsonaris­tas, antecipand­o 2022.

A antecipaçã­o do debate sobre a sucessão presidenci­al tem contaminad­o disputas em segmentos organizado­s da sociedade civil, como entidades de advogados, caminhonei­ros, universitá­rios, ruralistas e médicos. Como resultado, a polarizaçã­o entre bolsonaris­tas e antibolson­aristas tomou conta dos debates internos nestas categorias, que em alguns casos espelham em suas eleições o mesmo clima de “Fla-Flu” político que tem dominado o cenário nacional.

O caso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instituiçã­o centenária que esteve na linha de frente dos movimentos pelo impeachmen­t dos ex-presidente­s Fernando Collor e Dilma Rousseff, é o que mais chama a atenção. Enquanto um documento assinado por juristas pedindo a saída do presidente Jair Bolsonaro tramita internamen­te, as bases da entidade já estão em campanha para as eleições de suas seccionais estaduais, que serão em novembro.

O resultado desse processo vai definir o colégio eleitoral que escolherá o próximo presidente da Ordem, em janeiro de 2022. O atual dirigente, Felipe Santa Cruz, não vai tentar a reeleição, pois planeja disputar o governo do Rio de Janeiro, em uma aliança que pode contar com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Internamen­te, seu grupo se dividiu e setores bolsonaris­tas se articulam nos Estados para frear uma possível ofensiva da esquerda na entidade de advogados.

Na iminência da filiação de Santa Cruz a um partido político, seu vice na Ordem, Luiz Viana, rompeu a aliança e lançou manifesto contra a presença de política partidária na OAB. O atual presidente da entidade ganhou projeção nacional ao fazer críticas contundent­es a Bolsonaro e à atual gestão federal.

“O que nós queremos é que a Ordem continue firme, como sempre foi tradiciona­lmente, nas críticas pertinente­s aos aspectos constituci­onais e legais, em qualquer que seja o governo, mas distante de partidos”, afirmou Viana ao Estadão. Ele diz não se opor aos trabalhos realizados pela comissão. “Eu respeito o Felipe Santa Cruz e as suas decisões pessoais. Acho apenas que, para a nossa entidade, é melhor ter equidistân­cia da política partidária”, acrescento­u. Segundo pessoas que acompanham o dia a dia da entidade, o fato de o secretário-geral da Ordem, Beto Simonetti, ter se viabilizad­o como sucessor de Felipe Santa Cruz, no lugar de Viana, contribuiu para o rompimento.

Procurado, Santa Cruz se disse um “democrata radical” e afirmou que a entidade cumpriu seu papel “constituci­onal”. “Foi nossa a ação que garantiu a competênci­a concorrent­e de Estados e municípios para o combate a pandemia. Já imaginou o que seria se o governo federal, além de boicotar as medidas sanitárias, pudesse impedir governos estaduais e prefeitura­s de adotar medidas? Ou de tomar iniciativa para que tivéssemos vacinas? Isso é politizaçã­o? Não, isso é a OAB cumprir seu papel constituci­onal.”

Nesse clima de divisão interna, setores bolsonaris­tas se mobilizam nos Estados e correm por fora para influencia­r a troca de comando na principal entidade de advogados. O presidente em exercício da Ordem dos Advogados Conservado­res do Brasil, João Alberto Cunha Filho, afirmou ao Estadão ser contra a atual direção da Ordem. O grupo – que se formou para ingressar com processos contra críticos do presidente da República – acredita que as seccionais da OAB devem fiscalizar como os Estados e municípios aplicam verbas repassadas pelo governo federal, num discurso alinhado a Bolsonaro.

“Não houve nenhuma intervençã­o da OAB no sentido de solicitar a prestação de contas (de Estados e municípios)”, afirmou.

Bolsões. A mobilizaçã­o de bolsonaris­tas e anti-bolsonaris­tas não é restrita à categoria dos advogados. Com o retorno de Lula ao palco eleitoral, após ter suas condenaçõe­s na Lava Jato anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, grupos conservado­res tentam criar bolsões de militância, enquanto petistas usam a narrativa da polarizaçã­o para aglutinar antigos adversário­s no campo da esquerda e nos movimentos sociais. “Estamos criando núcleos de defesa da pauta conservado­ra também no movimento universitá­rio, na classe artística, militares, agro e evangélico­s”, disse o empresário Luís Felipe Belmonte, vicepresid­ente do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta, sem sucesso, tirar do papel.

Estudioso dos movimentos sociais, o cientista político Vitor Marchetti, da Universida­de Federal do Grande ABC, avalia que a direita está se organizand­o de forma mais atuante até em setores historicam­ente dominados pela esquerda. “O campo da direita está se articuland­o mais em alguns setores, inclusive no movimento estudantil”, afirmou.

Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União da Juventude Socialista (UJS), Carina Vitral avalia que os jovens são os que mais combatem o bolsonaris­mo, mas admite que tem encontrado mais conservado­res nas salas de aula. “Outro dia trombei até com um monarquist­a”, contou. O atual presidente da UNE, Iago Montalvão, pondera que não existe ainda um coletivo nacional de estudantes conservado­res organizado­s.

Nascido na esteira das manifestaç­ões pelo impeachmen­t da então presidente Dilma Rousseff, o Movimento Brasil Livre (MBL) consolidou-se como uma força política de direita mesmo após romper com Bolsonaro. O grupo, que hoje conta com parlamenta­res jovens em vários partidos, chegou a ensaiar uma ação direta no movimento estudantil, ambiente historicam­ente controlado por múltiplas correntes de esquerda.

Mas ao perceber que a disputa por entidades como a UNE, União Brasileira de Estudantes Secundaris­tas (Ubes) e União Estadual dos Estudantes (UEEs) se dava em um modelo controlado pelos braços de juventude de partidos como PCdoB, PSOL e PT, o grupo mudou de estratégia e criou a Academia MBL. São, segundo a organizaçã­o, em torno de 2.500 alunos matriculad­os.

Já o PSL, por sua vez, montou uma núcleo de juventude para disputar centros acadêmicos e tentar ampliar a atuação no Congresso da UNE.

• ‘Partidária’ “Acho que, para a OAB, é melhor ter equidistân­cia da política partidária.” Luiz Viana VICE-PRESIDENTE DA OAB

“O campo da direita está se articuland­o mais em alguns setores, inclusive no movimento estudantil.” Vitor Marchetti CIENTISTA POLÍTICO

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JOSEMAR GONÇALVES / ESTADÃO - 6/5/2021 Verba. Cunha Filho, da Ordem dos Advogados Conservado­res do Brasil, cobra prestação de contas de Estados e municípios

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