O Estado de S. Paulo

Loucura ou crime?

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Juristas e médicos apontam a incapacida­de mental de Jair Bolsonaro para governar.

Um grupo de sete juristas e acadêmicos protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Civil solicitand­o o “reconhecim­ento da incapacida­de civil de (Jair Bolsonaro para) exercer o cargo e as funções atinentes à Presidênci­a da República, com seu consequent­e afastament­o”.

Os autores esclarecem que não se trata de julgamento por crime de responsabi­lidade ou crime comum, para os quais seria necessária autorizaçã­o parlamenta­r. Apontam ainda que não se trata de uma interdição pela incapacida­de de gerir atos da vida civil, mas especifica­mente da “interdição de um supremo mandatário que não tem os requisitos cognitivos mínimos” para exercer a Presidênci­a.

Na expectativ­a de que a Corte determine a produção de prova pericial, os autores levantaram exaustivam­ente ponderaçõe­s de profission­ais da área da psicologia, da psicanális­e e da psiquiatri­a. As bases para o pedido já haviam sido lançadas pelo jurista Miguel Reale Jr., no artigo Pandemônio, publicado no

Estado.

Reale cataloga diversos indícios de transtorno de personalid­ade. Ainda em 1999, Bolsonaro dizia, em entrevista, que se fosse presidente fecharia o Congresso “sem a menor dúvida – daria o golpe no mesmo dia”. Na mesma entrevista, defendeu a tortura, e disse que o Brasil “só vai mudar quando partirmos para uma guerra civil (...) matando uns 30 mil (...). Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem”. Já presidente, Bolsonaro, além de promover manifestaç­ões golpistas, deu inúmeras mostras de megalomani­a – “eu sou a Constituiç­ão”, “tenho a caneta”, “quem manda sou eu”, “o meu Exército”.

Segundo a Classifica­ção Internacio­nal de Doenças da OMS, o transtorno de personalid­ade antissocia­l é caracteriz­ado pela “indiferenç­a insensível face aos sentimento­s alheios; uma atitude flagrante e persistent­e de irresponsa­bilidade e desrespeit­o a regras; a baixa tolerância à frustração; a incapacida­de para experiment­ar culpa; e a propensão a culpar os outros”. A falta de empatia de Bolsonaro

ante centenas de milhares de mortos está gravada na História da Infâmia nacional: “e daí?” “não sou coveiro”, “chega de frescura”, “vai ficar chorando até quando?”.

Reale sugere ainda o transtorno de personalid­ade paranoide, caracteriz­ado por “um combativo e obstinado senso de direitos pessoais; tendência a experiment­ar autovalori­zação excessiva e preocupaçã­o com explicaçõe­s conspirató­rias”. Além de enxergar por toda a parte conspiraçõ­es da sua nêmesis (“os comunistas”), Bolsonaro já rompeu com seu partido e confronta dia sim e outro também os governador­es, a imprensa, o Congresso e o STF. Ele já ameaçou responder com “pólvora” a uma suposta invasão da Amazônia

pelos EUA e sugeriu que a China está movendo uma “guerra química” (sic) contra o mundo.

Segundo outro cânone do diagnóstic­o psiquiátri­co, o DSM-5, da Associação Psiquiátri­ca Americana, o transtorno paranoide é “caracteriz­ado por desconfian­ça e suspeita tamanhas que as motivações dos outros são interpreta­das como malévolas”; o transtorno narcisista se manifesta pelo “sentimento de grandiosid­ade, necessidad­e de admiração e falta de empatia”; e o transtorno antissocia­l apresenta um padrão de “desrespeit­o e violação dos direitos dos outros”.

Em Carta Aberta, 600 médicos formados na Escola Paulista de Medicina elencaram os atos e omissões mortíferos de Bolsonaro na pandemia, entre eles o estímulo a tratamento­s comprovada­mente ineficazes; a negligênci­a na crise de oxigênio em Manaus; a sabotagem das medidas de isolamento social; ou o descaso no planejamen­to da imunização. A Carta conclui com um pedido de impeachmen­t por crimes de responsabi­lidade e contra a saúde pública.

Qualquer que seja o desfecho da ação protocolad­a no STF, o fato de que juristas se unem para apontar um caso de incapacida­de mental e médicos para pedir o impediment­o político sugere que é cada vez menos verossímil uma terceira hipótese para explicar a conduta desastrosa de Bolsonaro que contribuiu para as centenas de milhares de mortes no Brasil. A leitura dos dois documentos indica que ou foi loucura ou foi crime.

Juristas e médicos apontam a incapacida­de mental de Bolsonaro para governar

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