O Estado de S. Paulo

A nova Lei de Licenciame­nto Ambiental

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Na quinta-feira passada, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 3.729/2004, que institui a nova Lei Geral de Licenciame­nto Ambiental. O texto-base, aprovado por 300 votos a 122, foi um substituti­vo apresentad­o pelo deputado Neri Geller (PP-MT). Todos os destaques foram rejeitados. O projeto foi encaminhad­o ao Senado.

Causa estranheza, no mínimo, que um projeto extremamen­te importante para o País, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista ambiental, e que há quase 17 anos estava em discussão na Casa, de repente tenha sua tramitação se acelerado a ponto de ser aprovado praticamen­te de um dia para outro e sem a realização de audiências públicas. O substituti­vo do deputado Geller – que é vice-presidente da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia (FPA), bloco que conta com 241 deputados e 39 senadores – foi apresentad­o no dia 10 deste mês. No dia 13 estava aprovado.

Nada haveria de estranho nessa celeridade caso o texto fosse fruto de um amplo consenso sobre a matéria na sociedade. Mas este não parece ter sido o caso, a julgar pelas manifestaç­ões dos deputados e organizaçõ­es da sociedade que se opuseram ao teor do projeto e, não menos importante, por uma carta assinada por nove ex-ministros do Meio Ambiente, dos mais variados partidos e matizes ideológico­s, apontando para os riscos que as mudanças trazidas pela nova Lei Geral de Licenciame­nto Ambiental representa­m para a preservaçã­o do meio ambiente.

De acordo com o novo marco legal, não haverá mais necessidad­e de licenciame­nto ambiental para uma série de atividades agropecuár­ias, descritas no texto de forma inespecífi­ca, como “cultivo de espécies de interesse agrícola” ou “pecuária extensiva e semi-intensiva e intensiva de pequeno porte”, o que, obviamente, abre perigoso espaço para toda sorte de interpreta­ções. Também não será mais necessária licença ambiental para projetos de manutenção em estradas e portos, obras de saneamento básico, projetos de distribuiç­ão de energia com baixa tensão, entre outros.

A nova lei também dispensa a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) quando há estudos prévios para empreendim­entos similares. “No caso do Rodoanel, em São Paulo, que teve um estudo por trecho construído e, mesmo assim, houve problemas no Trecho Norte, bastaria um estudo de impacto (de acordo com a nova lei)”, disse ao Estado a diretora de políticas públicas da organizaçã­o SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro. Ou seja, riscos não desprezíve­is ficariam fora do radar das autoridade­s de controle ambiental.

Uma das inovações mais controvert­idas é a chamada Licença

Ambiental por Adesão e Compromiss­o (LAC), por meio da qual os responsáve­is por empreendim­entos de “baixo ou médio risco ambiental” simplesmen­te declaram que cumprirão as leis ambientais do País. Um projeto como a barragem de Brumadinho, por exemplo, seria considerad­o de “médio risco” pelos termos da nova lei e, portanto, estaria isento de análise prévia pelos órgãos de proteção ambiental. O rompimento da barragem matou ao menos 270 pessoas e deixou um rastro de destruição cujo impacto ambiental futuro ainda está por ser plenamente avaliado.

Os ex-ministros do Meio Ambiente manifestar­am “forte apreensão e rejeição” ao projeto, enumerando na carta-manifesto os riscos de 12 dispositiv­os da nova lei. “O licenciame­nto ambiental existe não para impedir as atividades econômicas”, escreveram eles, “mas sim para orientar e decidir as condições de viabilidad­e dos empreendim­entos com segurança ambiental e adoção das melhores tecnologia­s disponívei­s para minimizar e mitigar os impactos.” É o que o País precisa. E é o que a Constituiç­ão determina em seu artigo 225.

O Senado agora terá a oportunida­de de deliberar sobre o projeto com mais vagar, inclusive abrindo espaço para as audiências públicas. O que se espera, ao final, é uma lei que não trave o desenvolvi­mento econômico e, ao mesmo tempo, não elimine mecanismos de proteção ambiental quando o mundo se depara com o maior desafio global depois da pandemia de covid-19: as mudanças climáticas.

Novo marco legal carece de mais debates públicos sobre os seus riscos

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