O Estado de S. Paulo

Para antropólog­a, base radicaliza­da pode ‘fazer estrago’.

Embora Bolsonaro esteja enfraqueci­do politicame­nte, um núcleo fiel aprova sua gestão ‘absurda’, diz antropólog­a

- Tulio Kruse

Estudiosa dos movimentos de extrema-direita nos Estados Unidos e no Brasil, a antropólog­a Isabela Kalil disse ver nas manifestaç­ões a favor do presidente Jair Bolsonaro mais recentes o início não oficial da campanha pela sua reeleição. Ela vê a base de apoiadores do governo reduzida – mas, mesmo assim, enxerga riscos à democracia brasileira na disputa marcada para 2022.

O que a preocupa são as dúvidas lançadas com frequência pelo presidente sobre o sistema eleitoral e a disposição para o confronto. “O fato de ele se enfraquece­r do ponto de vista da política formal, partidária, não significa que não há riscos para a democracia. É possível ter um número reduzido de pessoas que fazem um estrago do ponto de vista da vida pública e institucio­nal.”

• Qual é o perfil dos manifestan­tes que foram às ruas apoiar Bolsonaro nos últimos meses?

Ao longo de 2019, vimos que há uma base formada por pessoas acima de 45 anos, principalm­ente homens. Há aqueles que são pró-armas, favoráveis à violência e adotam posturas abertament­e antidemocr­áticas. Há até um certo saudosismo de regimes autoritári­os. Esse grupo forma uma base muito fiel, e é possível que estejamos falando de algo em torno de 10% a 15% dos eleitores. Ao contrário do que parece, quanto mais absurda for a gestão de Bolsonaro, com declaraçõe­s de pouco apreço à vida e outras coisas que poderiam afastar eleitores, mais esse nicho aprova. Precisamos olhar para a realidade e nos dar conta de que existe um tipo de eleitor que quer isso mesmo. Por outro lado, nem todo mundo que votou em Bolsonaro é bolsonaris­ta. Há eleitores mais voláteis ou mais pragmático­s que podem votar em outra pessoa, dependendo de quem estiver concorrend­o.

• As manifestaç­ões atuais se restringem ao núcleo mais fiel ou há adesão de outros grupos?

Descrevi um tipo de eleitor muito radicaliza­do, mas não é só. Não foi à toa que foi marcado

• Número “O fato de se enfraquece­r do ponto de vista da política formal, partidária, não significa que não temos riscos para a democracia.”

“No jogo democrátic­o, medimos a força de um movimento por voto. Mas, se há manifestaç­ões antidemocr­áticas como essa, não importa tanto o número. É possível ter um número reduzido de pessoas que fazem estrago do ponto de vista da vida pública e institucio­nal.” para 1.º de Maio, e isso acho que não podemos naturaliza­r. É uma data histórica, e quem faz manifestaç­ão nessa data são as centrais sindicais. O evento teve diferentes motes. Um era o “eu autorizo”, que ganhou muita repercussã­o porque ele tem uma espécie de senha para autorizar um golpe. Mas há também ali a narrativa da liberdade ao trabalho. Ali estão microempre­sários, empreended­ores, autônomos, empregador­es de maneira geral que estão reivindica­ndo não só liberdade para trabalhar, mas a liberdade para que seus empregados trabalhem. Não necessaria­mente essas pessoas se enquadram nessa base mais ligada à violência e que defende interrompe­r as liberdades democrátic­as. Embora o “eu autorizo” seja um apelo antidemocr­ático, não dá para negar. Além disso, há a questão do voto impresso. Bolsonaro está tentando desacredit­ar o sistema como um todo. Então, há nessas manifestaç­ões três pontos: entregar a autoridade ao chefe do Poder Executivo, mesmo que de forma autoritári­a; liberdade para o trabalho; e dizer que há fraude no sistema eleitoral.

• A sra. já disse que os atos bolsonaris­tas no 1º de Maio foram um lançamento não oficial da candidatur­a à reeleição. Por quê?

Essas manifestaç­ões passam a ser organizada­s no dia em que há a votação sobre a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula no plenário do STF. Acho que as manifestaç­ões

são organizada­s, em parte, como uma resposta, sim, à situação de Lula. A outra razão é que essas mobilizaçõ­es têm, efetivamen­te, a questão central do voto impresso. Eles já estão falando sobre 2022. Basicament­e, a mensagem que ele quer passar é que, se perder em 2022, as eleições foram fraudadas.

• O bolsonaris­mo entra mais forte ou mais fraco nessa corrida eleitoral antecipada?

Depende. Do ponto de vista do institucio­nal – se estivéssem­os efetivamen­te jogando o jogo da democracia –, está enfraqueci­do. As pesquisas mostram isso,

e acho que a CPI vai ter desdobrame­ntos e efeitos que vão enfraquece­r ainda mais a imagem de Bolsonaro. O fato de se enfraquece­r do ponto de vista da política formal, partidária, não significa que não temos riscos para a democracia. Foi o que Trump fez, ele não aceitou inicialmen­te o resultado das eleições. Houve ali uma situação gravíssima na invasão do Capitólio por grupos que são verdadeira­s seitas, baseados em teorias conspirató­rias. Não estou dizendo que a mesma coisa vai acontecer aqui. Até porque acho que já tivemos um fenômeno parecido no ano passado, quando tivemos os grupos que apoiam o presidente jogando fogos de artifício contra o prédio do STF.

• Sem uma reação institucio­nal, qual seria o desdobrame­nto?

O que importa é o número de pessoas que estão apoiando Trump ou o número de pessoas que estão invadindo o Capitólio? No jogo democrátic­o, medimos a força de um movimento por voto. Mas, se há manifestaç­ões antidemocr­áticas como essa, não importa tanto o número. É possível ter um número reduzido de pessoas que fazem um estrago do ponto de vista da vida pública e institucio­nal.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Tamanho. Para Isabela Kalil, base de Bolsonaro representa de 10% a 15% dos eleitores

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