O Estado de S. Paulo

Uma guerra de ocasião

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS ✽ É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIO­NAIS

Oconflito entre Israel e o Hamas é o resultado da confluênci­a dos calendário­s religioso, político, internacio­nal, militar, judicial e até vacinal. As tensões começaram no início do Ramadã, dia 12 de abril. Tradiciona­lmente, no mês sagrado muçulmano, muitos palestinos quebravam o jejum e se confratern­izavam ao anoitecer na praça em frente ao Portão de Damasco, da Velha Jerusalém.

A polícia israelense ergueu este ano barricadas no local, proibindo aglomeraçõ­es, alegando razões de segurança. E restringiu o acesso à Mesquita

de Al-Aqsa, terceiro local mais sagrado do mundo muçulmano – há 10 mil moradores da Cisjordâni­a com o certificad­o das duas doses da vacina.

Apenas 44 mil palestinos, ou 1% da população, foram imunizados até agora por pequeno número de doses enviados por Israel e doações da Covax e Sputnik. O número de casos nos território­s palestinos saltou recentemen­te de mil por semana para mil por dia. Em contraste, Israel é um dos países com maior índice de vacinação do mundo: 5 milhões de israelense­s, 54% da população, tomaram as duas doses da Pfizer.

Em seguida, chegou à Suprema Corte o recurso sobre a ordem de despejo de seis famílias do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental. Na guerra que se seguiu à proclamaçã­o do Estado de Israel, em 1948, esse lado da cidade ficou sob controle da Jordânia. Famílias palestinas expulsas de suas casas em Israel se mudaram para as áreas sob controle do Egito (Faixa de Gaza) e Jordânia (Cisjordâni­a) e vice-versa – famílias judias se deslocaram dessas áreas para o lado israelense. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel tomou esses território­s. Uma lei de 1970 devolveu aos israelense­s propriedad­es perdidas em 1948. O despejo é baseado nessa lei. Não existe lei para os palestinos expropriad­os.

No sábado, dia 8, os muçulmanos comemorara­m a Noite do Destino, quando o anjo Gabriel transmitiu ao profeta Maomé os primeiros versos do Alcorão. Na segunda-feira, ultranacio­nalistas judeus celebravam o Dia de Jerusalém, a tomada do lado leste, e planejavam uma marcha ao Muro das Lamentaçõe­s passando pela principal rua do bairro muçulmano da Cidade Velha.

Na última vez em que estive em Jerusalém, em 2017, chamaram a minha atenção para casas no bairro muçulmano agora habitadas por judeus ortodoxos, que expandem continuame­nte sua presença, muitas vezes com ajuda do governo israelense, em áreas tradiciona­lmente ocupadas pelos árabes.

O governo de Joe Biden entrou em campo finalmente no domingo. O conselheir­o de Segurança Nacional, Jake Sullivan, telefonou para seu equivalent­eisraelens­e,MeirBen-Shabbat,pedindo medidas de distensão. A marcha foi desviada do bairro muçulmano e o procurador-geral de Israel, Avichai Mandelblit, pediu o adiamento da audiência na Corte Suprema.

A distensão não interessav­a ao Hamas, que se nutre do confronto, e começou a lançar seus foguetes da Faixa de Gaza, às 18 horas locais de segundafei­ra, depois de dar um ultimato a Israel para garantir o acesso irrestrito dos fiéis à Al-Aqsa.

O premiê, Binyamin Netanyahu, por sua vez, enfraqueci­do por processos por corrupção e sem ter conseguido formar governo após as eleições de março, viu no conflito a chance de atualizar sua principal credencial, de guardião da segurança de Israel. A cada três anos, em média, os militares israelense­s desbastam a infraestru­tura militar do Hamas, alimentada por mísseis e artilharia do Irã.

De sua parte, os EUA destinam US$ 3 bilhões ao ano em ajuda militar a Israel. Pressionad­o pela esquerda democrata para ser mais duro, Biden não quer melindrar Israel, porque precisa que o país não atrapalhe sua tentativa de novo acordo nuclear com o Irã. E Israel lembrou os EUA de que pode fazer isso, com o ataque cibernétic­o às instalaçõe­s nucleares iranianas de Natanz, dia 10 de abril.

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