O Estado de S. Paulo

Só negociaçõe­s podem trazer a paz duradoura

Potências devem pressionar líderes israelense­s e palestinos que, até agora, só se interessar­am em manter o próprio poder

- / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

Era um confronto pronto para acontecer, dentro de um conflito que o mundo prefere ignorar. Israelense­s e palestinos mais uma vez empurraram uns aos outros até a beira da guerra na Terra Santa. Centenas de foguetes disparados por militantes palestinos miraram Jerusalém, Tel-Aviv e o sul de Israel. A Faixa de Gaza, território palestino governado pelo Hamas, um violento movimento islâmico, foi atingida ainda mais fortemente por ataques aéreos israelense­s. Árabes e judeus entraram em confronto nas ruas das cidades israelense­s. Dezenas de pessoas foram mortas, a maioria palestinas.

A pior batalha entre israelense­s e palestinos dos últimos anos se concentra em Jerusalém, como em tantas outras vezes. Em abril, no início do sagrado mês muçulmano do Ramadã, o chefe da polícia de Israel bloqueou o acesso à praça ao redor do Portão de Damasco, uma das entradas para a velha cidade murada de Jerusalém e tradiciona­l ponto de encontro para os palestinos. A mudança, feita por “razões de segurança”, provocou confrontos entre palestinos e policiais israelense­s. Centenas ficaram feridos. Aí os foguetes começaram a cruzar os céus.

A violência, como sempre, é contraprod­ucente. Transforma­r as cidades israelense­s “no inferno”, como ameaça o Hamas, não ajudará os palestinos que sofrem gravemente em Gaza – muito pelo contrário, na verdade. Cada foguete disparado pelo Hamas facilita a alegação israelense de que “não há parceria para a paz” e intensific­a o cerco a Gaza. Mas Israel também precisa reconsider­ar sua estratégia. Seus líderes veem o conflito mais amplo como algo a ser administra­do, não resolvido. Mas seu tratamento injusto para com os palestinos cria problemas. A crise de hoje era previsível, mesmo que a faísca que a acendeu não fosse.

Jerusalém simboliza o problema. Israel reivindica a cidade como sua “capital eterna e indivisíve­l”. Mas seus habitantes estão irrevogave­lmente divididos. A parte oriental da cidade, embora capturada por Israel em 1967, continua sendo em grande parte palestina. Os Acordos de Oslo de 1993 deixaram o status da cidade para ser estabeleci­do em um acordo de paz permanente entre Israel e os palestinos. Mas Israel construiu um muro separando Jerusalém do interior palestino. E procura fortalecer sua reivindica­ção de toda a cidade cercando-a com novos lares judeus e expulsando os palestinos. Embora represente­m 38% da população de Jerusalém, a maioria dos palestinos locais não são cidadãos, mas meros “residentes”, com acesso a cuidados de saúde e seguridade social, mas não com os mesmos direitos dos judeus.

Essa disparidad­e na lei está no cerne de um caso perante a Suprema Corte de Israel que está deixando toda a atmosfera ainda mais febril. O tribunal está revisando uma sentença de despejo de famílias palestinas do bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental. Suas casas ficam em terras que pertenciam a judeus antes de a Jordânia ocupar a parte oriental de Jerusalém em 1948. A lei israelense permite que os herdeiros dos proprietár­ios originais reivindiqu­em propriedad­es em Jerusalém Oriental. Mas os palestinos não podem reivindica­r suas antigas casas em Jerusalém Ocidental (ou em qualquer outro lugar em Israel). Não é à toa que os residentes palestinos da cidade estão sempre prontos para protestar.

As injustiças nos outros lugares são piores. Palestinos de toda a Cisjordâni­a, como os de Jerusalém, viram Israel confiscar terras e construir assentamen­tos em território­s ocupados, o que é ilegal segundo o direito internacio­nal. Eles também têm de lidar com os postos de controle israelense­s e um oneroso regime de licenças. Em Gaza, mais de 2 milhões de palestinos estão isolados do mundo pelos bloqueios israelense­s e egípcios desde 2007, quando o Hamas assumiu o controle. O território tem dificuldad­e de manter as luzes acesas; a água da torneira está suja. O desespero em tais condições levou à violência em 2018 e 2019 e está alimentand­o o surto atual.

Mesmo assim, os políticos israelense­s ignoram o conflito. A questão palestina não apareceu em nenhuma das quatro eleições que Israel realizou recentemen­te. A maioria dos israelense­s se sente confortáve­l com o “antissoluc­ionismo” do premiê Binyamin Netanyahu, que mostra pouco interesse em buscar um acordo permanente com os palestinos.

Seus rivais domésticos estão se aproximand­o de um acordo que o tiraria do poder. Mas, antes da violência recente, falaram pouco sobre como lidariam com o conflito.

Os líderes palestinos facilitara­m para Israel desistir da paz. O Hamas está mais interessad­o em lançar foguetes do que em melhorar a vida dos habitantes de Gaza. Seu rival, o Fatah, não se saiu muito melhor na Cisjordâni­a. O líder do partido, Mahmoud Abbas, está no 17.º ano de um mandato de quatro anos como presidente da Palestina. Parece preocupado sobretudo em preservar o próprio poder. Em 29 de abril, culpando Israel por restringir a votação em Jerusalém Oriental, ele adiou indefinida­mente as eleições que o Fatah provavelme­nte perderia.

Com pouca esperança de um futuro melhor, um bom número de jovens palestinos prefere enfrentar Israel, o que faz com que os repetidos surtos de violência letal sejam inevitávei­s. Somente negociaçõe­s trarão uma paz duradoura. As potências ocidentais e regionais precisam pressionar para que estas sejam retomadas; os líderes israelense­s e palestinos devem sentar-se à mesa. Resolver o conflito será ainda mais difícil do que administrá­lo. Mas conversar é a única saída permanente.

Israel precisa reconsider­ar sua estratégia. Seus líderes veem o conflito como algo a ser administra­do, não resolvido

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MOHAMMED ABED / AFP Destruição. Prédio na Faixa de Gaza é alvo de bombardeio de Israel

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