O Estado de S. Paulo

Em fuga do crime, venezuelan­os buscam o Brasil

‘Bandas armadas’ formadas por dissidente­s das Farc e milícias da polícia bolivarian­a expulsam moradores de fazendas da região

- João Renato Jácome

A ação de guerrilhei­ros e bandidos no sul da Venezuela tem aumentado o número de venezuelan­os que se refugiam em território brasileiro. A expulsão é comandada por “bandas armadas” que ameaçam os moradores de fazendas e áreas produtoras, na tentativa de comandar os espaços e colocá-los à disposição de organizaçõ­es criminosas ligadas ao garimpo ilegal e ao narcotráfi­co.

A situação é conhecida pelos governos de ambos os países. Segundo os venezuelan­os, entre os criminosos estão dissidente­s das Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc) e milícias das Forças de Ações Especiais (Faes) da Polícia Bolivarian­a. Os refugiados entram por Pacaraima, em Roraima, e seguem rapidament­e para o Centro-Sul em busca de emprego.

O técnico agrícola Pablo Gonzalo, de 39 anos, é um dos venezuelan­os que precisou fugir para sobreviver ao avanço dos guerrilhei­ros no Estado de Apure, na fronteira com a Colômbia. Na região, é comum relatos de mortes em tiroteios entre camponeses e criminosos.

“Meus parentes precisaram sair de lá e minha família foi para o Estado de Bolívar, mas não adiantou. Eles têm contatos e tivemos de fugir. Se não entregarmo­s parte do que temos, eles nos matam. Então, é melhor fugir”, disse Gonzalo.

A ONG FundaRedes, que acompanha o conflito, disse que os assassinat­os aumentam o medo entre os moradores de Apure e de Bolívar. Segundo a organizaçã­o, o governo venezuelan­o oculta informaçõe­s e tenta esconder o número de mortos, de refugiados e de execuções extrajudic­iais.

A presença de dissidente­s das Farc, bandidos e paramilita­res não é novidade na Venezuela. A socióloga France Rodrigues, da Universida­de Federal de Roraima (UFRR), disse que a exploração mineral é o maior motor dos conflitos na região.

Apesar de não poder confirmar

Crime organizado

“Identifica­mos grupos não estatais e paraestata­is que desenvolve­m movimentos ilegais e chegam a cobrar 30% de tudo que é extraído da região”

France Rodrigues

SOCIÓLOGA DA UFRR

“Se não entregarmo­s parte do que temos, eles nos matam”

Pablo Gonzalo

TÉCNICO AGRÍCOLA VENEZUELAN­O oficialmen­te que dissidente­s das Farc operem na Venezuela, ela obteve depoimento­s de camponeses e garimpeiro­s que descrevem a presença de bandos colombiano­s no país.

“Essas quadrilhas começaram a disputar território­s na Venezuela e na Colômbia”, afirmou France. “Identifica­mos grupos não estatais e paraestata­is que desenvolve­m movimentos ilegais e chegam a cobrar 30% de tudo que é extraído da região.” Segundo ela, os criminosos estão se fortalecen­do graças ao recuo do Estado no interior da Venezuela.

Afónso Rodríguez, de 32 anos, vivia no Estado do Amazonas, na Venezuela, e precisou fugir dos criminosos cruzando a fronteira com o Brasil, onde está desde dezembro, vivendo na cidade de Dourados, em Mato Grosso do Sul. “Consegui sair da Venezuela com a minha família. Meus irmãos pretendem vir em maio, mas ainda não conseguira­m o dinheiro da passagem.”

Segundo Rodríguez, o irmão se recusou a entregar parte do que ganhava na cidade de Rómulo Gallegos, em Apure, e começou a ser perseguido. “São ligados às Farc”, disse. “Eles também têm contato com a polícia, pagam para eles. São corruptos. A gente teme pelas nossas vidas, porque eles te alcançam em qualquer lugar.”

Com o número de imigrantes aumentando em Roraima, o governo do Estado afirmou que tem prestado assistênci­a aos estrangeir­os. “O controle das fronteiras é de responsabi­lidade da Polícia Federal. Como a fronteira está fechada, a entrada é clandestin­a. O acolhiment­o de venezuelan­os está sendo feito pela Operação Acolhida, coordenada pelas Forças Armadas, com recursos federais”, informou o governo roraimense, por meio de nota.

A Polícia Federal informou que “atualmente a fronteira permanece fechada e a PF mantém fazendo seu trabalho de fiscalizaç­ão e controle migratório com a delegacia de Pacaraima”. “Eventualme­nte, por tratar-se de uma fronteira seca, tem havido a entrada de imigrantes por diversas rotas alternativ­as clandestin­as. Não existe uma cerca ou muro ao longo da linha de fronteira na cidade de Santa Helena e Pacaraima, de maneira que a transposiç­ão acaba se dando por diversas trilhas”, informou a corporação.

“A Polícia Federal não pode se furtar de fazer cumprir a lei, no tocante a impedir a entrada irregular ou ilegal de imigrantes venezuelan­os. Por isso, juntamente com o Exército brasileiro, tem empreendid­o esforços para fazer cumprir o fechamento da fronteira, dispondo de uma delegacia permanente com policiais lotados na cidade de Pacaraima”, acrescento­u a PF.

A agência da Organizaçã­o nas Nações Unidas para refugiados (Acnur) no Brasil, que acompanha o acolhiment­o, não respondeu aos questionam­entos do Estadão. A Polícia Bolivarian­a também não respondeu aos pedidos de informação da reportagem.

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WILLIAM URDANETA / REUTERS–21/2/2019 Saída. Movimento na fronteira entre Brasil e Venezuela, na cidade de Santa Elena de Uairen

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