O Estado de S. Paulo

O pastor pede pelo MEC

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Tragédia, destruição, fechamento de portas. Assim definiram diversos reitores a situação das universida­des federais na semana que passou. E até o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, pediu ajuda – não às claras, mas em ofício ao colega Paulo Guedes, obtido pela repórter Júlia Marques, do Estadão. Avisou que os cortes de verbas inviabiliz­am “a realização de diversas políticas estratégic­as para a melhoria da educação no País”.

Incrível, o próprio MEC insiste em negar oficialmen­te, mas o documento mostra que não há dinheiro para fazer o Exame Nacional do Ensino

Médio (Enem) neste ano. A prova é a mais importante do País e esperada por cerca de 6 milhões de jovens em busca de um lugar na faculdade.

Também não há para bolsas de pesquisa ou auxílio estudantil para quem já conseguiu um lugar no ensino superior. O ofício diz ainda que o “funcioname­nto geral” das universida­des federais vai ficar comprometi­do se as verbas não forem desbloquea­das.

Há poucas esperanças de uma resposta animadora. O destinatár­io da carta, há cerca de 15 dias, insistiu em atacar de forma grotesca essas instituiçõ­es e as pessoas que lá trabalham ou estudam. Em uma reunião em que defendia a educação privada, Guedes disse que as federais estão em estado “caótico”, “ensinando sexo para criança de 5 anos, com maconha, bebida, droga”. Citou ainda o educador Paulo Freire, alvo predileto quando bolsonaris­tas falam de ensino, aclamado no mundo por defender a educação democrátic­a e focada no cidadão.

Quem tem o mínimo de sensatez se pergunta o que crianças de 5 anos estariam fazendo numa universida­de. Ou o que Freire tem a ver com as centenas de laboratóri­os que pesquisam vacinas e tratamento para a covid nas federais. E ainda qual relação teria essa bobagem dita por Guedes com os hospitais universitá­rios, referência­s em suas regiões, que atendem vítimas da pandemia.

O MEC sofre este ano uma redução de recursos sem precedente­s. O pastor Ribeiro clama a Guedes desbloquei­o de R$ 2,7 bilhões e mais R$ 2,6 bilhões. O orçamento das federais, por exemplo, foi aprovado por Bolsonaro com corte de R$ 1 bilhão e houve ainda mais dois bloqueios de verbas. Hoje, o valor livre que pode ser usado pelas 69 instituiçõ­es é equivalent­e ao que havia em 2004. Naquela época, só existiam 51 federais.

E não há exagero, muitos espaços nas instituiçõ­es podem ficar sem funcionar por falta de energia, limpeza, materiais básicos, que é para onde vai esse dinheiro. Só na Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp), há cerca de 200 projetos de pesquisa relacionad­os à covid. Um deles, de uma vacina feita com o Incor, precisa de R$ 400 milhões para avançar para a fase clínica. E dinheiro para se armazenar sangue, fazer experiment­os, comprar EPIs para os pesquisado­res.

Uma universida­de não é só aula. O ensino de disciplina­s teóricas está sendo feito online, mas isso não é desculpa para redução drástica no orçamento. Nos últimos anos, as federais dobraram de tamanho, com um investimen­to recorde durante os governos do PT, também criticado por Guedes e sua turma. Aumentaram em estrutura e em alunos, abrindo espaço para estudantes mais pobres, que precisam de ajuda para se manterem na graduação – casa, alimentaçã­o, materiais. Atualmente, 25% dos alunos são de famílias com renda inferior a um salário mínimo. E outros 50%, de um salário e meio.

Depois de 2015, o dinheiro para as universida­des já começou a diminuir, mas nada como se viu durante o governo Bolsonaro – que traz junto ataques ideológico­s e políticos. E, pior, no ano da pandemia, quando o Brasil mais precisa de educação e ciência. Os efeitos no curto prazo são claros. No médio e longo prazos, é o desenvolvi­mento de um país que vai escorrendo pelo ralo.

Não há verba na pasta para quem quer entrar na faculdade ou para quem já está nela

✽ É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTA­S DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

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