O Estado de S. Paulo

Professor do MIT defende ‘cidade sensível’ pós-covid

Carlo Ratti, urbanista e engenheiro Segundo ele, estratégia­s de detecção e dados vão ajudar a responder às necessidad­es de cidadãos em tempo real • “De uma perspectiv­a de longo prazo, acredito que as cidades retornarão à vibração pré-pandêmica. Em 10 mi

- Priscila Mengue

Em vez do conceito da “smart city”, o urbanista e engenheiro italiano Carlo Ratti é um defensor do uso da tecnologia e da criativida­de como ferramenta­s para melhoria da qualidade de vida no ambiente urbano. A essa proposta dá o nome de “senseable city” (“cidade sensível”), mesmo nome do laboratóri­o de inovação que dirige no Instituto de Tecnologia de Massachuse­tts (MIT), no qual também é professor. Ao longo da última década, as criações que Ratti fez no MIT e no escritório Carlo Ratti Associati figuraram em listas de publicaçõe­s internacio­nais, como Time Magazine, Wired e Esquire, colocando-o entre os principais nomes em inovação e design no mundo. A uma semana de participar do Summit Mobilidade Urbana — que ocorre de forma digital e gratuita a partir de amanhã —, ele falou ao Estadão.

• Como acha que a pandemia vai afetar o futuro das cidades?

Olhando para aspectos mais específico­s, algumas mudanças podem ocorrer no setor imobiliári­o. O “smart working” (termo associado ao uso de novas tecnologia­s para melhorar a dinâmica profission­al, geralmente associado ao home office) pode reduzir as demandas de longo prazo por escritório­s, enquanto um efeito compensató­rio pode tornar obsoleto espaços de trabalho em unidades residencia­is, nas quais passamos mais tempo. Essa abordagem é uma que está sendo seguida pela cidade de Paris, como parte da competição em andamento Reinventin­g Cities. Mudando para a (questão sobre a) forma como as pessoas se movem, a pandemia possibilit­ou formas mais flexíveis e eficientes de deslocamen­to entre casa e trabalho. Além disso, certos fenômenos que estavam há muito em formação foram colocados concretame­nte no radar. Estou pensando em micromobil­idade, como bicicletas e e-scooters compartilh­adas. Eles são mais sustentáve­is do que carros particular­es, enquanto permitem às pessoas mais espaço pessoal do que ônibus e metrô por questões de higiene.

• O conceito de “smart cities” se tornou bastante difundido nos últimos anos. Ele ainda faz sentido neste momento?

Levando o conceito um passo adiante, eu proporia o termo “senseable cities” (“cidade sensível”). O primeiro dá uma impressão de tecnologia em prol da tecnologia e, em comparação, “cidade sensível” reconhece que a tecnologia deve ser usada para o avanço da vida humana: estratégia­s de detecção podem ajudar o ambiente urbano a responder às necessidad­es dos cidadãos em tempo real; e as cidades se tornam um espaço de vida mais sensível por causa disso. Outra caracterís­tica do planejamen­to urbano que gostaria de destacar é a importânci­a da experiment­ação: devemos abordar as soluções baseadas em “smart cities” com a mesma estrutura de tentativa e erro que usamos para startups e economia da inovação. Mais experiment­os urbanos significam uma chance maior de realizar inovações com sucesso e tornar as cidades mais habitáveis.

• As cidades brasileira­s enfrentam ainda grande desigualda­de social, infraestru­tura insuficien­te e recursos governamen­tais limitados. Como as inovações tecnológic­as podem ajudar?

Em todo o mundo tenho visto pessoas sem água encanada e com smartphone­s, este último é um importante portal para acessar dados em tempo real e a “cidade sensível”. Muitas cidades – inclusive Brasília – sofrem com o modernismo monofuncio­nal no século 20. Mas, recentemen­te, uma alternativ­a tem sido mais defendida: bairros de uso misto, que ajudam os cidadãos a chegarem a residência­s, escritório­s, escolas e lojas com facilidade. O conceito foi concretiza­do pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, na “cidade de 15 minutos”, que visa a reduzir o tempo de deslocamen­to. E a micromobil­idade seria muito útil para levar os cidadãos em viagens curtas ao redor (e através) de diferentes zonas.

• Qual o papel dos dados na reformulaç­ão da mobilidade?

Em primeiro lugar, eles nos permitem compreende­r melhor a infraestru­tura de mobilidade urbana e deixá-la evoluir. Além disso, os dados também são importante­s para forjar um sistema de mobilidade mais eficiente, onde diferentes modos de transporte podem ser sincroniza­dos. Chamamos isso de “Moving Web”, uma plataforma digital que agrega dados sobre ônibus, trens e outros veículos e transmite essas informaçõe­s em tempo real, para que os passageiro­s possam planejar suas viagens com as opções de mobilidade mais adequadas às circunstân­cias.

• Qual é a importânci­a de mudanças na mobilidade para lidar com as mudanças climáticas?

O compartilh­amento de carros e carros compartilh­ados são estratégia­s potentes que podem reduzir o número total de carros na cidade por uma grande margem. Menos carros significam menos emissão de

gases de efeito estufa em geral. A adoção de mobilidade ativa – caminhar ou andar de bicicleta – também seria muito eficaz, principalm­ente no Brasil.

• Como foi o desenvolvi­mento do seu recente projeto em Brasília?

A intelectua­l francesa Simone de Beauvoir uma vez descreveu a capital brasileira assim: “A rua, aquele ponto de encontro de transeunte­s, de lojas e casas, de veículos e pedestres não existe em Brasília, e nunca existirá”. Não concordo totalmente com ela, mas é verdade que o planejamen­to modernista não ajudou a realizar todo o potencial do espaço público. Isso é o que tentamos alcançar com o Biotic (bairro multifunci­onal que tem previsão de abrigar residência­s, escritório­s, universida­des, comércios e espaços públicos, com objetivo de ser tecnológic­o e sustentáve­l), nosso plano mestre para a expansão da cidade.

• O senhor também desenvolve um projeto em parceria com a

Prefeitura do Rio, para as favelas. Como será?

Favelas 4D é um projeto que estamos conduzindo no MIT com Washington Fajardo, secretário de Planejamen­to Urbano da cidade do Rio de Janeiro. A nossa ideia é usar a tecnologia de digitaliza­ção a laser para analisar a morfologia da Rocinha. Favela 4D poderia servir a muitos propósitos: fornecer aos residentes um endereço muito necessário, desenvolve­r uma estrutura para atribuir títulos de propriedad­e e permitir o projeto de intervençõ­es cirúrgicas para tornar o tecido urbano mais saudável e seguro. Finalmente, pode ser um recurso valioso globalment­e para elevar os padrões de vida de assentamen­tos informais.

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DELFINO SISTO LEGNANI E MARCO CAPPELLETT­I O especialis­ta. Favorável a bairros de uso misto e plataforma­s digitais para a mobilidade
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