O Estado de S. Paulo

Diplomacia e turismo da vacina

- E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Opaís que primeiro entendeu a importânci­a da chamada diplomacia da vacina foi a China. Logo no início da pandemia, colocou à disposição de outros países os insumos de suas vacinas. Seu objetivo foi dar um passo em direção ao mercado mundial da saúde, hoje avaliado em quase US$ 9 trilhões por ano.

Agências europeias vêm oferecendo pacotes de viagem que incluem vacinação com a Sputnik V em Moscou ou em São Petersburg­o. Por iniciativa de governante­s ou, mesmo, de instituiçõ­es privadas, turistas passaram a ser convidados para se imunizar nos Estados Unidos. O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, os chamou para serem vacinados na Times Square e algo assim foi o que fizeram empresas de Miami. É provável que outras autoridade­s também escolham esse caminho, com o objetivo de aumentar o fluxo de turistas.

Também é parte integrante da diplomacia da vacina dos Estados Unidos a sugestão do presidente Joe Biden de apoiar a proposta da África do Sul e da Índia na OMS de quebrar as patentes das principais vacinas. Além disso, a Casa Branca anunciou que, em dois meses, até 60 milhões de doses da AstraZenec­a serão doadas a países pobres ou com a vacinação atrasada.

Do ponto de vista do governo dos Estados Unidos, este não é apenas mais um lance geopolític­o de enfrentame­nto à China, que vai ocupando espaços globais, nem de um programa de ajuda a países carentes. Tampouco se trata apenas de operação de melhora da imagem depois do estrago produzido pela administra­ção Trump. Tratase, principalm­ente, de iniciativa que apressa a recuperaçã­o dessas economias que, assim, tanto poderão voltar a importar dos Estados Unidos como voltar a produzir bens primários e intermediá­rios em falta, o que vem sendo obstáculo para restabelec­imento das cadeias globais de suprimento.

A União Europeia é que parece ter ido na contramão quando passou a defender a criação de um passaporte da vacina, cujo objetivo é barrar a entrada de potenciais infectados pela covid-19. Em todo caso, alguns dos seus políticos vêm lembrando que “ninguém está a salvo enquanto todos não estiverem a salvo”.

O verão está chegando ao Hemisfério Norte e, com ele, a alta temporada do turismo. Esta é uma das principais atividades econômicas de países da Europa, que ficou estancada em 2020 pelo necessário distanciam­ento e pela proibição de inúmeros voos internacio­nais. É um setor que responde por 12% do PIB da Espanha; por 7,4% da França; cerca de 6,0% da Itália; 6,8% da Grécia; e 8,0% de Portugal, conforme dados da OCDE.

Aqui no Brasil, a proposta de que empresas privadas importem vacinas passou a ser incompreen­sivelmente considerad­a prática desleal. E, no entanto, se uma iniciativa dessas fosse acatada, mais gente estaria imunizada e mais rapidament­e haveria recuperaçã­o da atividade econômica e do emprego.

Há quem veja prática antiética nos beneficiad­os pelo turismo da vacina, sob o argumento de que aumenta a desigualda­de. Isso não faz sentido. Então, para enfrentar a desigualda­de seria melhor não comprar computador, já que tanta gente não pode tê-los?

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MARCOS MULLER/ESTADÃO
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