O Estado de S. Paulo

O mundo está girando descontrol­adamente

- ALBERT FISHLOW TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nessa semana, circunstân­cias novas e antigas se somaram para produzira aparência de um mundo sem direção. O Oriente Médio se vê mergulhado em uma crescente onda de caos, enquanto a maior parte do mundo precisa lidar com uma pandemia global cujas dimensões variam de país para país. Os maiores e os menores lutam para responder à míngua do globalismo econômico e a uma complicada busca por coerência internacio­nal.

No Oriente Médio, Israel e Hamas estão envolvidos e mações militares diretas, com ataques de foguetes feitosa partir doLíba no. Os acontecime­ntos são mais graves do que o visto no passado recente. Arábia Saudita e Irã defendem intervençõ­es militares opostas no Iêmen e em outros lugares. O Iraque vive instabilid­ade. Será possível um novo acordo com o Irã, especialme­nte se Ahmadineja­d voltar ao poder?

Os EUA estão reabrindo com o avanço da vacinação. Mas, politicame­nte, os esforços para garantir os mais de US$ 4 trilhões solicitado­s por Biden para o investimen­to em amplos esforços de melhoria do transporte interno, do ensino e da pesquisa e desenvolvi­mento enfrentam uma virtual oposição total por parte dos republican­os. A continuida­de da imigração de menores de idade desperta uma forte resistênci­a, bem como os esforços para restringir a compra de armas. Trump se recuperou bem da derrota para Biden, e deve depender dele uma recuperaçã­o nas eleições de 2022 e a tentativa de renovar as maiorias parlamenta­res. Se isso ocorrer, o progresso será detido.

Enquanto isso, a China continua seu retorno a um cresciment­o econômico mais rápido e as tentativas de ampliar sua influência na Europa e na África. O líder Xi Jinping expandiu muito seu poder ao longo da década. Ele supervisio­na uma política externa mais agressiva, sustentada por mudanças tecnológic­as impression­antes, e inevitavel­mente mais competitiv­a em relação aos EUA e ao Ocidente. Diferentem­ente do indiano Modi, do americano Trump e do brasileiro Bolsonaro, a reação dele à pandemia foi imediata, direta e, aparenteme­nte, bastante bem-sucedida. A China é hoje uma fonte de vacinas para muitos outros países.

Agora, no Brasil, com a CPI transmitin­do pela TV suas audiências, o público pôde contemplar uma reprise constante das desastrosa­s políticas adotadas por Bolsonaro ao longo de um ano que resultaram em mais de 400.000 mortes. Com a chegada do outono e do inverno, a possibilid­ade de nova onda é real. A vacinação está ocorrendo, mas em um ritmo muito mais lento do que o anunciado anteriorme­nte, e as razões das dificuldad­es na importação de insumos serão esclarecid­as essa semana com o depoimento do ex-ministro das Relações Exteriores.

O ex-ministro da saúde Pazuello terá sua oportunida­de na terça-feira. O governo já tentou garantir para ele o direito de evitar responder às perguntas. Isso pode incluir sua insistênci­a na fabricação doméstica de qualquer vacina, negando a disponibil­idade de importaçõe­s da Pfizer em setembro de 2020, bem como a potencial disponibil­idade de doses chinesas. A Índia acabou ficando sem excedentes para exportar.

Talvez ele queira evitar a ênfase em seus meses de insistênci­a na cloroquina como tratamento correto. Essa foi a contribuiç­ão científica de Bolsonaro para a questão. Além de importar 3 milhões de doses dos EUA, o Brasil ainda encomendou ao Exército a produção de mais 3 milhões de doses, desviando dinheiro do orçamento do SUS para financiar a iniciativa durante os meses de primavera e verão.

Talvez alguns brasileiro­s tenham perdido a entrevista do ex-presidente Lula na PBS News Hour na quinta-feira passada. Lula insistiu que seu foco será o total fracasso de Bolsonaro em lidar com a pandemia. Indagado a respeito de seu interesse em concorrer à presidênci­a em 2022, ele deixou a questão de lado, mas reconheceu as grandes contribuiç­ões da experiênci­a de Bidenp ara apolítica americana atual, ao mesmo tempo reconhecen­do que ele próprio seria mais novo se eleito. Em resumo, buscou rapidament­e se posicionar no centro em vez de enfatizar suas origens no PT.

O resultado de pesquisa recente de intenção de voto mostra Lula com uma ampla vantagem em relação a Bolsonaro, diferentem­ente de pesquisa anterior que identifico­u quase um empate entre os dois. Mesmo supondo um candidato alternativ­o que atraísse o restante do eleitorado, esta figura teria que se lançar sozinha. A probabilid­ade disso é certamente baixa.

Ninguém poderá concluir que é um mês fácil de interpreta­r. Esperamos que o mundo se acalme antes que desapareça todo o vestígio de normalidad­e./

ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR EMÉRITO NAS UNIVERSIDA­DES DE COLUMBIA E DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY.

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