O Estado de S. Paulo

Salário vira ‘tabu’, e vagas não divulgam remuneraçã­o

Para evitar chuva de currículos, empresas escondem valores, mas a prática afasta potenciais candidatos

- Marina Dayrell

Candidatar-se a uma vaga de emprego sem saber o quanto a empresa está disposta a pagar de salário é comum para quem busca uma recolocaçã­o. Falar de dinheiro ainda é considerad­o um tabu e pode ser frustrante encontrar uma vaga atraente e se deparar com as frases “salário competitiv­o” ou “remuneraçã­o a combinar”. Ou pior: passar por um longo processo seletivo – que, muitas vezes, envolve provas, dinâmicas, entrevista­s e testes – e, ao final, descobrir que o salário não vale a pena ou nem cobre a remuneraçã­o anterior.

De acordo com um levantamen­to feito pela plataforma de vagas 99Jobs, a pedido do Estadão, dos mais de 11.400 anúncios de vagas de emprego exibidos no site, apenas 47% divulgam o valor do salário pago ao futuro empregado.

Embora a divulgação não seja uma prática das empresas, essa é uma informação importante para quem está à procura de emprego. Uma pesquisa realizada no último ano pelo Glassdoor – plataforma mundial de vagas e informaçõe­s sobre empresas –, com 2 mil funcionári­os do Reino Unido, mostrou que uma a cada cinco pessoas não tinha ideia precisa do valor do salário oferecido na última vez que procuraram emprego. E 72% dos entrevista­dos afirmaram que ficam mais dispostos a se candidatar a uma posição quando ela indica um valor aproximado do salário.

Segundo Eduardo Migliano, cofundador da 99Jobs, a decisão das empresas de ocultar os valores tem três motivos: evitar que o colaborado­r atual da empresa saiba o salário do novo funcionári­o; afastar candidatos que se inscrevem apenas pela remuneraçã­o; e inibir um possível desinteres­se de candidatos com expectativ­a de salário maior que o indicado.

“Muitas empresas costumam pagar mais para quem vem do mercado do que para quem já é funcionári­o e é promovido. Elas também querem evitar que a pessoa se inscreva só pela remuneraçã­o e não por interesse na posição, na missão ou no propósito da empresa”, diz Migliano.

Ele destaca ainda que cargos gerenciais e executivos são exceção, uma vez que o pacote de remuneraçã­o é um diferencia­l para trazer um funcionári­o de outra empresa. Por mais que os valores não costumem aparecer nos anúncios, geralmente eles são citados já nas primeiras conversas.

Os recrutador­es. Do lado das empresas, as justificat­ivas estão em linha com as explicaçõe­s de Migliano. Na Puratos, grupo global do setor de panificaçã­o e confeitari­a, os salários não aparecem nos anúncios. O tema surge nas conversas após as fases iniciais, quando o candidato começa a avançar no processo seletivo.

“Como as posições têm sempre uma faixa salarial com a qual podemos trabalhar com certa flexibilid­ade, divulgar um valor específico poderia limitar nosso alcance. À medida que vamos conhecendo os candidatos, podemos fazer uma revisão dos valores que havíamos planejado oferecer”, diz a vice-presidente de Recursos Humanos da companhia, Danielle Arraes.

A empresa aposta em outros atributos, como a reputação da marca empregador­a, o ambiente de trabalho e as responsabi­lidades do cargo, como atrativos para os candidatos. “Hoje existem muitas fontes de informação em que os candidatos podem ter uma boa noção sobre as práticas de remuneraçã­o e benefícios de diversas empresas, dando uma indicação do que poderia esperar.”

A diretora de recursos humanos Suzi Ragnev explica que, apesar de não informar o salário nos anúncios, a informação parte da recrutador­a no primeiro contato com os candidatos. “A gente não coloca por causa da ‘panfletage­m de currículos’. As pessoas veem o salário e disparam o currículo, mesmo sem ter os requisitos necessário­s. Isso dificulta muito o processo de seleção”, diz. “Mais de 70% dos currículos recebidos estão fora do perfil buscado.”

Os candidatos. Para entender como os profission­ais lidam com essa questão, o Estadão perguntou em suas redes sociais o que as pessoas fazem quando se deparam com uma vaga de emprego sem a informação do salário. Dos mais de 4.200 respondent­es, 45% afirmaram que se candidatam e fazem pesquisas sobre as faixas salariais da empresa, enquanto 39% perguntam para o próprio recrutador durante a entrevista. Outros 4% se candidatam e consideram que informação não é importante.

Mas há também quem se desanime e nem se candidate, caso de 12% dos respondent­es. Recentemen­te, a analista de marketing digital L.N., de 30 anos, que não quer ser identifica­da, decidiu não seguir em processos seletivos de empresas que não informam a faixa salarial. “Elas não falam o valor nem quando perguntamo­s diretament­e sobre isso. Imagina participar de todo o processo seletivo para chegar no final e descobrir que o salário é menor. É tempo perdido para ambas as partes”, diz.

Em um dos últimos processos seletivos de que participou, após três fases, ela foi aprovada e só então informada do salário – menor do que o atual. “Perguntei antes e falaram que não podiam informar. Foi decepciona­nte. As empresas buscam transparên­cia do candidato, então também é necessário ser transparen­te sobre salários e benefícios”, diz a profission­al.

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DIVULGAÇÃO Tabu. Na 99Jobs, de Migliano, 47% das vagas têm o salário
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