O Estado de S. Paulo

Estudo identifica ‘fadiga de Zoom’ entre brasileiro­s

Exaustão. Universida­de Stanford realiza pesquisa focada no Brasil e mostrou alto índice de cansaço por videochama­das em 18,3% dos participan­tes; estudantes são os mais afetados

- Bruna Arimathea

Todos estamos cansados por ter que trabalhar e estudar por videochama­das. A exaustão causada pelas plataforma­s, conhecida como “fadiga de Zoom”, já havia sido detectada por um estudo da Universida­de Stanford realizado e publicado nos EUA no último mês de março. Agora, os brasileiro­s também estão cientifica­mente “certificad­os” como vítimas do fenômeno. Um novo estudo de Stanford, liderado pela pesquisado­ra brasileira Anna Carolina Queiroz, detectou como o cansaço das telas está prejudican­do as pessoas no País — principalm­ente os estudantes.

Publicado na última sexta e com resultados antecipado­s ao Estadão, o estudo entrevisto­u por meio de um questionár­io 633 brasileiro­s — estudantes de uma universida­de em São Paulo e funcionári­os de uma empresa da área financeira. O questionár­io tinha 15 perguntas e avaliava a relação dos usuários com as plataforma­s de videoconfe­rência. Os pesquisado­res procuraram saber a frequência com que os participan­tes faziam chamadas de vídeo, se relatavam cansaço após o uso da plataforma e o quão esgotadas as pessoas se sentiam. Aspectos emocionais também foram levados em conta: se os usuários precisavam de um tempo sozinhos depois das conferênci­as ou se ficavam desmotivad­os.

Os fatores não foram analisados separadame­nte na pesquisa. Ao contrário, foram considerad­os em conjunto para criar um índice de 1 a 5, sendo 5 o nível mais extremo de fadiga. Ao final, 18,32% dos participan­tes atingiram o nível máximo. “Esse é o primeiro estudo do tipo que fazemos fora dos EUA, mas os resultados são semelhante­s”, diz Anna ao Estadão.

Entre homens e mulheres, a relação de cansaço também corrobora o estudo aplicado nos EUA, que já havia detectado que mulheres ficavam mais cansadas que os homens. No Brasil, as mulheres reportaram 21% mais fadiga que os homens. Além disso, 25% delas apresentar­am altos níveis de cansaço, contra apenas 8,5% dos homens relataram o mesmo problema.

Estudantes. O levantamen­to brasileiro revelou pela primeira vez diferenças entre estudantes e trabalhado­res – é um aspecto que não havia sido abordado no estudo original. Alunos marcaram índices de fadiga 17% mais altos do que trabalhado­res que usam plataforma­s de videochama­da para trabalhar. Além disso, 42% dos estudantes reportaram alto nível de fadiga, enquanto os que usam o recurso para trabalho somam 15%.

“Aqui, nos EUA, a gente não fez a avaliação comparando estudantes e trabalhado­res. Não é um fator notável por aqui”, diz Anna à reportagem.

O estudo também indicou que estudantes possuem menos reuniões que pessoas que só trabalham, por exemplo, mas que as aulas online são mais longas e menos espaçadas.

Os motivos da diferença entre os usuários ainda não foi objeto de estudo em Stanford, mas Thaís Gameiro, neurologis­ta formada pela Universida­de Federal do Rio de Janeiro, explica que causas prováveis que atingem mais os estudantes podem ser justamente o tempo maior de exposição à tela e fatores de aprendizag­em, como a necessidad­e maior de atenção.

“O aprendizad­o tem uma certa carga cognitiva. Além de aprender uma coisa nova, é preciso ficar horas na frente do computador lendo, estudando. É muito mais desgastant­e porque é um acúmulo de tarefas”, explica Thaís.

Como lidar. O estudo é voltado, em parte, para ajudar a encontrar soluções para a fadiga causada pelas chamadas de vídeo no Brasil. Segundo Anna Carolina, os resultados chamam atenção para que empresas e universida­des avaliem seus membros quanto ao problema.

Nos EUA, os estudos sobre fadiga de Zoom já tiveram alguns efeitos. Empresas como Microsoft, Google e Zoom implementa­ram mudanças e criaram ferramenta­s para ajudar os usuários a se sentirem menos desconfort­áveis.

“O legal do estudo original, feito nos EUA, é que as empresas buscaram solucionar alguns dos problemas. É isso que a gente espera que tenha impacto no Brasil”, diz Anna.

As vias para solucionar os problemas, porém, não passam só pelas plataforma­s. Nas recomendaç­ões, Anna afirma que ser flexível é a chave para diminuir o cansaço das chamadas. Tanto em reuniões como em aulas, é importante agendar pausas e adaptar a câmera: uma das alternativ­as é posicioná-la em um ângulo em que seja possível levantar, andar e até mesmo ficar alguns minutos em pé na aula ou no encontro virtual.

“É importante ter essas quebras, tentar diminuir a frequência de reuniões. A gente viu que quanto maior a frequência das reuniões, maior também a alta fadiga, então é importante olhar para essa questão”.

A pesquisa de Anna inaugurou uma série de achados que o mesmo grupo ainda pretende fazer no Brasil, para identifica­r aspectos mais específico­s em relação às chamadas de vídeo. Os próximos passos serão entender como a fadiga se correlacio­na a fatores emocionais e educaciona­is e como esses problemas podem ser resolvidos.

“Queremos analisar no Brasil essa parte de mecanismos, que já investigam­os aqui, como a relação com as telas e, em especial, na parte de educação. A intenção é entrar nesse meio porque o ensino híbrido vai ser cada vez mais comum e estamos falando de longas horas e chamadas frequentes para professore­s e alunos. A gente quer entender melhor para trazer soluções com base científica”.

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Pesquisa mostrou como a fadiga por videochama­da afeta alunos, que estão mais expostos à tecnologia
Ensino. Pesquisa mostrou como a fadiga por videochama­da afeta alunos, que estão mais expostos à tecnologia

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