O Estado de S. Paulo

‘No Zoom, mulheres sentem mais fadiga do que os homens’

Anna Carolina Queiroz, pesquisado­ra da Universida­de Stanford Focada em educação, brasileira usa pesquisa para entender o impacto do cansaço em alunos; estudo será ampliado

- /B.A.

Em fevereiro, um estudo da Universida­de Stanford chamou a atenção por delinear as possíveis causas para o fenômeno conhecido como “fadiga de Zoom”, que se refere ao cansaço excessivo causado por videochama­das – a identifica­ção do problema forçou empresas do segmento a repensarem suas plataforma­s. Entre os cinco autores da pesquisa está a brasileira Anna Carolina Queiroz, de 39 anos, integrante do Lemann Center e do Virtual Human Interactio­n Lab, da Universida­de Stanford.

Formada em psicologia e com mestrado na USP em psicologia do desenvolvi­mento da aprendizag­em, Anna foi convidada pelo professor Jeremy Bailenson – autor de outros estudos sobre “fadiga do Zoom” – para integrar o time de pesquisado­res da universida­de americana. Por lá, a brasileira terminou o doutorado e desenvolve­u estudos sobre tecnologia­s imersivas, como realidade virtual, para estudantes – os resultados são aplicados em um projeto com alunos de escolas da Bahia.

Nos EUA há três anos, a pesquisado­ra tem foco na área de educação. Foi sob essa perspectiv­a que ela desenvolve­u o estudo de fadiga de Zoom focado no Brasil, que identifico­u maior índice de cansaço em estudantes.

Em uma videochama­da com o Estadão, Anna falou mais sobre a pesquisa e indicou quais devem ser os próximos passos do estudo. Confira os melhores trechos da conversa.

• Como surgiu a ideia de fazer o estudo olhando para o Brasil?

A gente tem a escala de fadiga de Zoom nos EUA e, sendo brasileira, a primeira coisa que pensei era que a gente precisava de uma versão no Brasil. O objetivo principal do estudo foi trazer esse instrument­o para o País, para que seja aplicado e que seja insumo para instituiçõ­es entenderem o problema. Trabalhamo­s na validação e verificaçã­o desses fatores de fadiga voltados para o cenário brasileiro e isso oferece a oportunida­de para entender aspectos desse cansaço.

• É possível comparar os resultados dos EUA com o Brasil?

Sim. Nesse sentido, o resultado do modelo foi excelente: as questões levantadas nos EUA se aplicam ao Brasil. Inclusive, a gente achou que o efeito de gênero também se replica. Ou seja, as mulheres sentem mais fadiga do que os homens no Brasil também. Este é o primeiro estudo que faz essa avaliação. Não tem estudos com relação à fadiga de videoconfe­rência no Brasil ainda, mas a nossa hipótese é que a gente vai achar as mesmas coisas. Os dados são muito robustos.

• Como é feita a avaliação dos resultados?

A gente avaliou a fadiga de videoconfe­rência por meio de um questionár­io que apresentav­a respostas com níveis de 1 a 5, sendo 5 o nível mais extremo de fadiga e 1 sendo o mínimo. A média geral que a gente teve para a população brasileira foi de 2,12, que é um nível intermediá­rio. O questionár­io avaliou cinco elementos principais da fadiga para analisar o que a gente chama de fadiga geral. Algumas das perguntas querem saber, se depois de videoconfe­rências, as pessoas se sentem cansadas, se a visão fica embaçada, se as pessoas querem ficar sozinhas depois de videochama­das.

• A pesquisa pode ajudar a encontrar soluções para o problema no Brasil?

Claro! O que tem sido feito nos EUA também pode ser ajustado ao Brasil. A gente viu que sessões mais longas de videoconfe­rência, por exemplo, aumentam a fadiga. Então, o ideal é não marcar uma hora cheia, marque cinquenta minutos, tente reduzir e ter um intervalo. A gente também achou que reuniões mais frequentes aumentam a fadiga. Então, repensar a dinâmica desses encontros na população brasileira é importante.

• Quais soluções podem ser adaptadas para o País?

As soluções que a gente sugere são em uma esfera individual, corporativ­a e das empresas que desenvolve­m esses aplicativo­s. Se eu sei que ficar travado em frente à câmera é uma coisa que contribui para a fadiga, uma opção pode ser elevar a câmera, em um ângulo em que você possa levantar, caminhar. Se eu sei que ficar me vendo o tempo inteiro aumenta a fadiga, então eu posso desabilita­r essa função. Na esfera corporativ­a, se não está compartilh­ando nenhuma tela e é uma reunião de duas pessoas, não precisa estar com a câmera ligada. Às vezes, é aquela coisa do “essa reunião poderia ser um e-mail” (risos).

• Quais os próximos passos da pesquisa?

A gente quer ampliar a pesquisa. Queremos levar para o Brasil parte dos mecanismos para entender quais fatores implicam mais nesta fadiga. Vamos tentar correlacio­nar esse cansaço também com outras coisas e entrar na parte da educação. Queremos ver como alunos de diferentes idades têm se sentido. A gente vê que, daqui pra frente, o ensino híbrido vai ser cada vez mais comum. E quando a gente fala disso, estamos falando de longas horas em que o aluno fica ali em frente à tela. A gente quer entender para trazer soluções com base científica.

 ?? ANNA CAROLINA QUEIROZ ?? Cansaço. Anna Carolina vê semelhança entre Brasil e EUA
ANNA CAROLINA QUEIROZ Cansaço. Anna Carolina vê semelhança entre Brasil e EUA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil