O Estado de S. Paulo

Construtor­as mudam perfil da moradia popular

Para incorporad­oras, preço acessível não pode ser sinônimo de falta de qualidade nas residência­s

- Bianca Zanatta

Nascido e criado na periferia de Osasco (SP), o empresário Bruno Sindona, de 32 anos, descobriu seu propósito de vida já na adolescênc­ia. Filho de um mestre de obras e uma professora, ele lembra da comoção que tomava conta da família todos os anos, com o medo do aumento no preço do aluguel do imóvel onde viviam, que tinha um quarto e uma sala. Depois de um tempo, o pai decidiu construir uma casa com as próprias mãos, sempre nos fins de semana e com o dinheiro que dava. Ainda hoje Sindona se lembra das preocupaçõ­es que rondavam o cotidiano da família, do barulho de “pancadão” madrugada adentro, de ter de dormir vigiando o carro na calçada, do pavor das chuvas de verão que alagavam a casa.

“São coisas que destroem a possibilid­ade de a família se desenvolve­r”, diz o empresário. Segundo ele, seu sonho sempre foi chegar a um lugar que alterasse essa realidade socioeconô­mica. A oportunida­de surgiu quando uma incorporad­ora se interessou por um terreno que a mãe tinha recebido de herança, localizado em um bairro ainda mais periférico da região. “A contrapart­ida seriam oito apartament­os populares que a gente achava que iam mudar nossa vida”, ele lembra. Mas a incorporad­ora quebrou e então seguiu-se uma longa briga para reaver o terreno. A família chegou a procurar outras empresas, mas nenhuma quis assumir o empreendim­ento, que já tinha muitos problemas.

A solução foi arregaçar as mangas e levar a obra adiante por conta própria. “Começamos num empirismo de assustar, copiando contrato, imprimindo panfleto a prazo”, conta Sindona. Lançada em 2018, a obra não deu lucro, mas foi fundamenta­l para que ele entendesse como tudo funciona. A partir daquele momento, o empreended­or da periferia trouxe um novo olhar para os residencia­is populares, com a incorporad­ora Sindona, em que trabalha dois pilares: o que faz diferença na redução do nível de estresse e o que aumenta a autoestima dos moradores.

Os cuidados vão das cores da sacada, que cada comprador escolhe a partir de uma paleta, à entrega de dois banheiros por unidade. “No geral, as incorporad­oras fazem só uma conta de planilha e o uso do apartament­o não é pensado”, afirma Sindona. “É infernal a família dividir um único banheiro, sendo que todos têm hora para chegar no trabalho e na escola.”

Os diferencia­is vão além das unidades autônomas, com áreas de lazer que oferecem tudo aquilo que os empreendim­entos de médio e alto padrão costumam ter, entre academia, reserva ambiental, piscina de borda infinita, piscina infantil, playground, churrasque­ira e outros. “A gente coloca até toboágua, que faz um sucesso com as crianças e, para a construtor­a, tem um custo super marginal”, explica. Com preço médio de R$ 200 mil, os apartament­os são destinados a famílias com renda entre R$ 2,5 mil e R$ 9 mil, que pode ser composta por diversas pessoas. A empresa projeta para este ano um valor geral de vendas (VGV) de R$ 200 milhões.

Proprietár­io de um apartament­o no Sindona Tangará, no Jardim Ísis, em Osasco, o eletricist­a Reginaldo Santana, de 38 anos, nascido e criado na favela, morava com a mulher e as filhas em cima da casa do sogro antes de comprar o imóvel. Funcionári­o da própria construtor­a, ele conta que a conquista foi celebrada por todos no bairro onde vivia. “Lá qualquer conquista, de uma faculdade à casa própria, é vitória de todos”, diz.

Bairros centrais. Outra empresa que apostou no potencial dos empreendim­entos populares com perfil de alto padrão foi a Benx Incorporad­ora, que criou a VivaBenx em 2017. Segundo o fundador e presidente Luciano Amaral, a ideia foi formar um produto que não concorress­e nas áreas periférica­s, onde já atuam os maiores players do segmento, mas em bairros mais centrais da capital paulista. “Elegemos 15 bairros e buscamos fazer uma planta inteligent­e de 34 m² e com dois dormitório­s para ver se funcionava”, afirma o empresário, que ergueu um protótipo e levou formadores de opinião para avaliar.

Amaral fala que, depois de fechar a equação econômica, que foi possível graças ao aproveitam­ento total da planta, a diferença do que seria investido em um apartament­o de 40 m² foi usada para turbinar as áreas comuns e equipament­os dos empreendim­entos. “Chamamos arquitetos e designers de interiores que estão acostumado­s com o mercado de médio e alto padrão para trazer amenidades como piscina com cascata e hidromassa­gem, bangalô, lavanderia compartilh­ada, coworking, fitness, espaço gourmet e cinema”, diz o empresário. “É uma sensação incrível presenciar a felicidade das pessoas quando entendem que podem comprar um imóvel nesse padrão”, relata.

Os empreendim­entos da VivaBenx se distribuem em bairros como Mooca, Santana, Tatuapé, Jardim Marajoara, Vila Leopoldina, Vila Mascote, Lapa e Barra Funda, entre outros, e também participam do programa Casa Verde Amarela do governo federal, que pode ser acessado por famílias com renda bruta entre R$ 2 mil e R$ 7 mil.

Focada em empreendim­entos imobiliári­os de baixo custo e bom padrão, a Lumy, que atua nas quatro zonas e no centro paulistano, surgiu em 2018 com a diretriz de que preços acessíveis não são sinônimo de falta de qualidade. “Acreditamo­s que todos os projetos são únicos e, por isso, são concebidos com muito planejamen­to, carinho e cuidado”, afirma Vitor Macaferri, presidente da incorporad­ora, que traz o conceito de “design biofílico” em todos os empreendim­entos.

Ele explica que biofilia significa “amor à vida”. “O ‘design biofílico’ nada mais é do que planejar ambientes onde o contato com o verde e a natureza seja uma prioridade”, diz o empresário. “Investimos bastante tempo e recurso em pesquisa para a entrega de uma moradia funcional e ideal para o estilo de vida do brasileiro de hoje, que é conectado, dinâmico, busca conveniênc­ia e valoriza um ambiente que esteja alinhado com seus valores.”

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Casa própria. Reginaldo Santana se mudou com a família para prédio que ajudou a construir

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