O Estado de S. Paulo

Majur chegou

- MURILO BUSOLIN @MURILOBUSO­LIN, NO INSTAGRAM ✽ É JORNALISTA E CONSOME CULTURA POP DESDE QUE SE ENTENDE POR GENTE

Que voz potente é essa e por que eu não ouvi antes? Esta foi a minha reação ao notar os suaves (mas impactante­s) trechos que Majur entoa no refrão de AmarElo, sucesso de Emicida com participaç­ão de Pabllo Vittar e sample de Sujeito de Sorte, clássico de Belchior.

Desde 2019, mantive minha curiosidad­e para descobrir o que Majur reservaria para sua estreia. Algumas músicas foram lançadas antes do seu debute, como Andarilho e 20ver, mas o terreno que ela queria e precisava pisar com seu primeiro álbum tinha de ser novo e fértil. Com 10 faixas imersas em religião e afropop, Ojunifé chegou em 12 de maio às plataforma­s digitais. Horas antes do lançamento, batemos um papo sincero.

“Quando eu era criança, não via mulheres como eu nos espaços de visibilida­de, mulheres trans, o meio LGBTQIA+. Ojunifé é uma carta da Majur do futuro contando o seu caminho, a sua experiênci­a. É a minha vida moldada para inspirar outras a serem elas mesmas, para chegarem no mesmo espaço em que me encontro agora”, analisa a baiana.

Libriana amorosa, filha de uma socioeduca­dora e apaixonada pelo R&B de Iza e Ludmilla, Majur passou dois anos colecionan­do vivências para transformá-las em faixas que iriam para o seu disco. “Trago uma ideia do verdadeiro afropop, os instrument­os, batidas, sons, efeitos de matrizes africanas e indígenas, toda a minha ancestrali­dade junto ao novo. Em todas as músicas, é feito um questionam­ento sobre como nossa cultura preta, que foi disseminad­a e contada de forma deturpada, perdeu detalhes. Ela é muito mais rica do que imaginam e é isso que eu procuro resgatar.”

A Majur de AmaRelo ainda buscava senso estético. Agora, aos 25 anos, se encontrou. “Apesar de morar no país que mais mata gays, lésbicas, travestis e trans no mundo, tenho orgulho de mim e quero que as pessoas tenham orgulho de ser o que elas são através do meu disco.” Ojunifé começa explosivo, com o recado de que Majur chegou para fazer diferença. É um álbum que se inicia voltado aos ritmos africanos e vai ganhando elementos e uma roupagem mais pop. Gostei mais das seis primeiras faixas – destaco as participaç­ões de Luedji em Ogunté e de Liniker em Rainha de Copas.

As letras são carregadas de fé e ânimo, caracterís­ticas que mantêm o brasileiro em pé, mesmo diante de períodos sombrios. Por isso, a cantora acredita que o público vai adicionar as novas produções em suas playlists: “É a minha verdade, um ato de coragem, um chamamento para que as pessoas se identifiqu­em e acreditem nelas”.

“Eu fui uma criança pobre, periférica, de Salvador, que saí, venci, sou trans, e consegui chegar aqui. Precisamos amar para ter coragem e acreditar para chegar em qualquer lugar” – foi assim que ela encerrou a entrevista. Majur sangrou demais, chorou pra cachorro e está pronta pra escrever uma interessan­te história.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil