Majur chegou
Que voz potente é essa e por que eu não ouvi antes? Esta foi a minha reação ao notar os suaves (mas impactantes) trechos que Majur entoa no refrão de AmarElo, sucesso de Emicida com participação de Pabllo Vittar e sample de Sujeito de Sorte, clássico de Belchior.
Desde 2019, mantive minha curiosidade para descobrir o que Majur reservaria para sua estreia. Algumas músicas foram lançadas antes do seu debute, como Andarilho e 20ver, mas o terreno que ela queria e precisava pisar com seu primeiro álbum tinha de ser novo e fértil. Com 10 faixas imersas em religião e afropop, Ojunifé chegou em 12 de maio às plataformas digitais. Horas antes do lançamento, batemos um papo sincero.
“Quando eu era criança, não via mulheres como eu nos espaços de visibilidade, mulheres trans, o meio LGBTQIA+. Ojunifé é uma carta da Majur do futuro contando o seu caminho, a sua experiência. É a minha vida moldada para inspirar outras a serem elas mesmas, para chegarem no mesmo espaço em que me encontro agora”, analisa a baiana.
Libriana amorosa, filha de uma socioeducadora e apaixonada pelo R&B de Iza e Ludmilla, Majur passou dois anos colecionando vivências para transformá-las em faixas que iriam para o seu disco. “Trago uma ideia do verdadeiro afropop, os instrumentos, batidas, sons, efeitos de matrizes africanas e indígenas, toda a minha ancestralidade junto ao novo. Em todas as músicas, é feito um questionamento sobre como nossa cultura preta, que foi disseminada e contada de forma deturpada, perdeu detalhes. Ela é muito mais rica do que imaginam e é isso que eu procuro resgatar.”
A Majur de AmaRelo ainda buscava senso estético. Agora, aos 25 anos, se encontrou. “Apesar de morar no país que mais mata gays, lésbicas, travestis e trans no mundo, tenho orgulho de mim e quero que as pessoas tenham orgulho de ser o que elas são através do meu disco.” Ojunifé começa explosivo, com o recado de que Majur chegou para fazer diferença. É um álbum que se inicia voltado aos ritmos africanos e vai ganhando elementos e uma roupagem mais pop. Gostei mais das seis primeiras faixas – destaco as participações de Luedji em Ogunté e de Liniker em Rainha de Copas.
As letras são carregadas de fé e ânimo, características que mantêm o brasileiro em pé, mesmo diante de períodos sombrios. Por isso, a cantora acredita que o público vai adicionar as novas produções em suas playlists: “É a minha verdade, um ato de coragem, um chamamento para que as pessoas se identifiquem e acreditem nelas”.
“Eu fui uma criança pobre, periférica, de Salvador, que saí, venci, sou trans, e consegui chegar aqui. Precisamos amar para ter coragem e acreditar para chegar em qualquer lugar” – foi assim que ela encerrou a entrevista. Majur sangrou demais, chorou pra cachorro e está pronta pra escrever uma interessante história.