O Estado de S. Paulo

Com inflação, arrecadaçã­o dos Estados cresce R$ 45 bi

Recursos extras, de janeiro a maio, aliviam aperto financeiro e ajudam governador­es às vésperas das eleições

- Adriana Fernandes /

Nos cinco primeiros meses do ano, a arrecadaçã­o do Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços (ICMS) pelos Estados superou em R$ 45,1 bilhões o resultado obtido no mesmo período de 2019, antes da pandemia. Com os preços em alta, os Estados arrecadam mais porque o ICMS é cobrado a partir de uma base de cálculo maior.

Os dados – reunidos a pedido do Estadão pela Federação Brasileira de Associaçõe­s de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), com base nas notas fiscais eletrônica­s emitidas – refletem o boom internacio­nal de alta das commoditie­s (produtos básicos). Como há restrições legais ao aumento de despesas obrigatóri­as até o fim de 2021, a tendência é de que os Estados usem os recursos em 2022, ano eleitoral. O risco, segundo especialis­tas, é de que os governador­es usem essa sobra para elevar despesas permanente­s, como salários de servidores. A arrecadaçã­o do governo federal também cresceu: R$ 96 bilhões em relação a 2019 e R$ 156 bilhões sobre 2020.

Com o empurrão da inflação mais alta, os governador­es estão com os cofres bem mais cheios na antessala da campanha eleitoral de 2022. De janeiro a maio deste ano, o patamar de arrecadaçã­o já superou em R$ 45,1 bilhões o resultado obtido no mesmo período de 2019, antes da pandemia de covid-19.

Como há restrições legais ao aumento de despesas obrigatóri­as até o fim de 2021, a tendência é de que os Estados usem o caixa mais cheio no ano que vem, quando governador­es querem mostrar serviço em ano de eleições após os tempos difíceis da pandemia. Um dos riscos apontados por especialis­tas é que os governador­es usem essa sobra para aumentar despesas permanente­s em 2023.

Até maio, a arrecadaçã­o do Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços (ICMS), tributo estadual e principal fonte de receita dos governador­es, alcançou R$ 250 bilhões, com alta real (acima da inflação medida pelo IPCA, índice oficial) de 11%. Sobre 2020, quando a pandemia derrubou a arrecadaçã­o, as receitas deste ano subiram R$ 50,6 bilhões, aumento de 16% (veja ao lado o aumento de cada Estado).

Os dados da arrecadaçã­o do ICMS de janeiro a maio foram reunidos, a pedido do Estadão, pela Federação Brasileira de Associaçõe­s de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) com base nas notas fiscais eletrônica­s emitidas.

Puxado pelo boom internacio­nal de alta das commoditie­s (produtos básicos), Mato Grosso, que é produtor de alimentos, está no topo da lista dos Estados com maior cresciment­o da arrecadaçã­o do ICMS, 41,2% nos primeiros cinco meses do ano. O Estado de São Paulo, a maior economia do País, arrecadou 8,7% (R$ 12 bilhões) a mais em comparação a 2019, chegando a R$ 72 bilhões.

A recuperaçã­o da arrecadaçã­o dos Estados acompanha também a arrecadaçã­o do governo federal, que já cresceu R$ 96 bilhões em relação a 2019 e R$ 156 bilhões sobre o resultado do ano passado nos primeiros cinco meses do ano.

“Olhando para o aspecto político, a tendência é os governador­es fazerem caixa para gastar em 2022, que é ano de eleição”, prevê o presidente da Febrafite, Rodrigo Spada. Segundo ele, 2022 é um ano em que os governador­es querem ter um caixa mais elevado e vão procurar entregar obras no primeiro semestre.

Spada diz que os Estados vão procurar guardar o caixa porque a Lei Complement­ar 173 (que estabelece­u as regras para o socorro federal às unidades da federação) proíbe o aumento de despesas obrigatóri­as até o fim deste ano e ainda congelou os reajustes salariais dos servidores públicos da União, dos Estados e dos municípios.

Reajustes de salário. Como mostrou reportagem recente do Estadão, muitos Estados e municípios já contratara­m reajustes para o ano que vem. Além das cidades de São Paulo e Manaus, pelo menos sete Estados deram reajustes ou abriram caminho para aumentos ao funcionali­smo neste ano, apesar da restrição legal, segundo levantamen­to feito pelo Estadão.

Spada alerta, porém, que não há certeza de que os Estados estejam saindo da crise porque essa recuperaçã­o da arrecadaçã­o é decorrente do aumento da inflação, sobretudo do IGP-M, que é usado para corrigir os preços dos aluguéis. Ele ressalta que, apesar do incremento das receitas, o número de notas fiscais emitidas não aumentou em 2021, na comparação com o ano passado.

“Isso significa que não teve muito mais negócios. Foram os preços desses negócios que aumentaram significat­ivamente.” Ele explica que, com os preços mais altos, os Estados arrecadam mais porque o ICMS é cobrado sobre um porcentual do valor de venda dos produtos.

O presidente da Febrafite pondera que é uma arrecadaçã­o que decorre da inflação, o pior “imposto” que existe para a população de baixa renda. Ele lembra que com a inflação mais salgada as despesas dos Estados também crescem. O ICMS é um dos principais termômetro­s da atividade econômica porque a empresa vende num mês o produto e já no começo do mês seguinte tem de fazer essa apuração e recolher o imposto.

Ganho temporário. Especialis­ta em contas dos Estados e consultora da Febrafite, a economista Vilma Pinto avalia que essa melhoria na arrecadaçã­o é temporária e não estrutural, por causa do ciclo de commoditie­s (produtos básicos, como alimentos, petróleo e minério de ferro) e efeito inflacioná­rio relevante. “Será arriscado e temerário fazer aumento de gastos obrigatóri­os”, diz ela, em razão de duas novas legislaçõe­s, que exigem mais contrapart­idas de ajuste nas contas dos governador­es. Vilma assume nos próximos dias uma vaga na direção da Instituiçã­o Fiscal Independen­te (IFI).

Já Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro, alertou que a percepção positiva do ciclo temporário de alta dos preços de commoditie­s pode ensejar uma visão de mais sobra para gastos do que realmente o País tem. “O risco é o caixa mais cheio do governo federal, Estados e municípios se transforma­r em despesas permanente­s logo adiante”, disse Vescovi, que é economista­chefe do Santander e também especialis­ta em contas estaduais.

• Riscos fiscais

“A tendência é os governador­es fazerem caixa para gastar em 2022, que é ano de eleição.”

“Não teve muito mais negócios. Foram os preços desses negócios que aumentaram.”

Rodrigo Spada

PRESDIENTE DA FEBRAFITE

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EPITACIO PESSOA/ESTADÃO Ciclo. Folga financeira dos Estados foi auxiliada pelo momento positivo das commoditie­s, mas incremento deve ser transitóri­o, explicam especialis­tas

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